A ARTE DE SER FELIZ

19/10/2015 17:52

Esta semana, no Momento de Luz, Madalena conta-nos a história de vida de Patrício, que tinha o desejo de fazer parte de um grupo de expedição de resgate. Incomodada com o sonho do amigo, tenta fazê-lo desistir, atropelando-o com seus medos e angustias.

Nem sempre compreendemos os sonhos e planos dos outros. E, angustiados, não conseguimos não dar palpite na vida alheia, nos empenhando em persuadi-los a seguir nossas convicções, desistindo da deles. É preciso ouvir e respeitar.

Boa leitura!!

Andréa

 

 

A ARTE DE SER FELIZ

 

Caminhando pelos lindos bosques daqui, conheci Patrício. Olhar expressivo, atento ao mundo, caminhava firme em direção ao seu objetivo. Queria fazer parte de uma grande expedição de resgate. Achei loucura quando me revelou seus planos. Eu bem sabia como era uma expedição desta. Vivenciei uma como resgatada e sabia o quanto era difícil.

Tentei persuadi-lo. Comecei contando minha história, descrevendo com detalhes cada acontecimento desesperador aos meus olhos. Patrício, empolgado, vibrava a cada palavra. Podia ver nos seus olhos que descrevia o mundo que ele queria conhecer e viver. Mal podia acreditar no que via e floreava ainda mais a minha contação.

Nada que eu pudesse dizer o abalaria. Queria aquela vida mais que tudo. Fiquei curiosa quanto os seus motivos e o provoquei a ir a fundo em seus sonhos e planos. “O que deseja de verdade viver? ” “Não se preocupa com as intempéries que vivenciará” O que realmente sente quanto a tudo isso? ” Questionava, entrevistando-o.

Iniciou sua fala timidamente. Parecia não saber como começar. Incentivei-o, quase ordenando: “Inicie pelo começo”. Então, respirou fundou, cruzou as mãos sobre o colo e após uma longa e angustiante (para mim) pausa. Começou:

“Venho de um mundo diferente do seu. Aonde, feio e pobre, atravanquei-me na vida devido um milhão de dificuldades. E não pense que exagero. Vou explicar-lhe melhor. Nasci em uma família pobre após cinco irmãos. Sim, era o caçula. Limpei o tacho como dizem os antigos.

Minha mãe idosa (diferente da época, começou tarde no mundo materno) já não suportava grito e choro de criança. Vivia mal humorada, reclamando de tudo e todos e, principalmente, de mim que, para seu ver, era um pacote de trabalho e problemas.

Fruto de uma relação que nunca desejou, mas que foi obrigada a viver por causa da penúria que vivíamos. Deitou-se com um vizinho velho e asqueroso que possuía um pouco mais que nós. Sofreu do início ao fim desta relação e ao me ver diante de si lembrava-se de tudo de ruim que havia passado.

Meu pai nunca me fez um mínimo agrado. Orgulhava-se pela prole no fim da idade. Ganhar um filho naquela idade fazia-lhe forte e robusto na idade avançada que tinha, mas já não havia paciência para um garotinho na sua vida. Pegava-me ao colo para apresentar-me aos colegas do carteado e logo saltava-me nos braços daquela que a quem impunha uma vida sem graça e sem beleza, apenas obrigação e trabalho. Morreu anos depois. Eu tinha apenas cinco anos e já era órfão de pai e mãe viva. Mãe que me puxava para cá e empurrava-me para lá.

Meus irmãos, maiores um pouco, filhos de um pai amado que partiu deixando saudade, (pena não o ter conhecido) não se agradavam-me da minha companhia. Encardidinho, assim me chamavam. “Deixa de ser besta. Não tenta ser nosso irmão. Só nos traz mais lembranças. Teu pai era ruim para nós”. Só uma irmã olhava-me com carinho. Emprestava-me seu colo para descanso e compreensão.

Foi assim que cresci. Rejeitado em casa. Rejeitado na escola. Franzino e amarelado, feio de doer como me apontavam, nunca consegui ser aceito. Por mais que me esforçasse não conseguia fazer amigos e muitos menos aprender. Deficiente das ideias, como dizia meu irmão mais velho, mal sabia ler e escrever.

Adolescente e, depois, adulto jovem escorraçado. Tímido, sem coragem, encolhendo-me aonde chegava, atraia olhares de crítica e piedade. Não conseguia achar um emprego digno e costumava ser enxovalhado pelos colegas de trabalho. Assim vivi até chegar por aqui, vítima de um acidente de trabalho. Uma caldeira explodiu, levando-me a vida.

Acordei no hospital. Clamando por ajuda. Não me dei conta que já estava em outra vida. Soube depois, que fui resgatado no momento da minha morte e trazido para cuidados, despertando três dias depois”.

Sua história deixou-me impressionada! Como o resgate e o cuidado poderiam ser tão rápidos? Ouvi muitas outras histórias.  A maioria dolorosas, levando dias e até anos de internação e muito mais tempo ainda para o resgate. Quis saber mais.

“Deve estar impressionada! Também fiquei ao ouvir tantos outros relatos durante as minhas caminhadas pelos leitos do hospital. A minha história era completamente distinta da maioria. E diferente da vida material, por aqui, eu era acolhido e escutado. Pareciam não se importar como eu era, com o pouco que tinha ou com a minha debilidade. Faziam questão da minha presença.

João Francisco, meu cuidador apresentou-me a mim mesmo e surpreendi-me. Relatou que planejei aquela vida com afinco e não me atrapalhei em nenhum detalhe de sua execução. Decidi retornar a vida de uma forma difícil para aperfeiçoar-me. E agora estava ali, diferente do que fôra".

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Madalena

20.09.2015

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