COLO QUE ACALMA E FORTALECE

19/08/2013 05:53

Outro dia ouvi uma linda história. A de uma tribo indígena que reúne as crianças em roda, para ouvir a velha índia contar histórias, que muitas vezes os assustam. E quando isso ocorre, os curumins correm para o colo dos índios adultos, reunidos em círculo, ao redor deles. Colo que os acalmam e os fortalecem, fornecendo-lhe coragem para retornar ao círculo original e retomar o aprendizado.

História semelhante nós conta Gregório, esta semana, no Momento de Luz. A do colo que acolhe, acalenta e fortalece os espíritos recém-chegados a uma nova existência.

Que possamos nos lembrar deste lugar aconchegante e seguro, que contribui com o nosso permanecer e nosso desenvolver na vida e possamos oferecer o nosso colo a nós mesmos e ao outro.

Boa reflexão!

Andréa

 

 

COLO QUE ACALMA E FORTALECE

 

A equipe do amanhã, assim gostava de apelidar o grupo ao qual agora pertencia. Um grupo de espíritos voltados para o recomeço da vida. Era esse o nosso objetivo: o contribuir para a construção de uma nova vida, uma nova encarnação.

Não sabia muito bem o que faria aqui. Cheguei ressabiado e temeroso. O que sempre acontece diante do desconhecido. Um frio que sobe a barriga e alcança o resto do corpo, estremecendo-o por inteiro.

Nem mesmo conseguia imaginar. Acreditava que era algo de tão grandiosa magnitude, que dispensava iniciantes de aprendizes como eu. Assim me considerava, um tanto distante de um trabalho que exigia conhecimento e iluminação.

No primeiro dia, ansioso, percorria cada metro quadrado que compunha o prédio (como já o descrevi para vocês). Nos dias subsequentes, dediquei-me a ler os inúmeros manuais que recebi.

Contavam a história de sua fundação. Estabeleciam as regras de conduta e funcionamento. Descreviam atividades e instruções de como realizá-las. Relatavam casos bem sucedidos, e tantos outros que precisaram ser recomeçados.

Recebemos também livros técnicos para a manipulação dos equipamentos tecnológicos, que auxiliavam no desenvolvimento do processo de preparação.

Acessavam antigas memórias, facilitando os planejamentos do que se queria aprender, modificar, construir. Forneciam, deste modo, aos que pleiteavam uma nova oportunidade de vida na terra, dados para guia-los na construção da nova encarnação.

Um momento nada fácil. Retornar as vivências anteriores, identificando falhas pretéritas, feridas não cicatrizadas, sonhos desfeitos, planejamentos não alcançados.

Sentimentos de raiva, frustação e medo, muitas vezes, viam a tona e podiam paralisar o espírito, que, fragilizado, reduzia-se, acreditando-se não merecedor da nova oportunidade que pairava a sua frente.

Adoecidos, retornavam ao leito, onde podiam passar anos, tentando refazer-se para retomar ao processo ao qual estavam submetendo-se. Lançados ao obscuro de suas almas, permaneciam inertes, sem forças para vencer as barreiras da resistência à evolução.

Para que isso não ocorresse, eram preparados para o momento de estarem frente a frente consigo mesmos. Diariamente, eram acolhidos e suas demandas eram ouvidas. E, aos poucos, as informações iam sendo liberadas.

Ao mesmo tempo em que se entregavam aos estudos e a ampliação dos seus entendimentos em relação às leis divinas e à vida humana. Participávamos todos, trabalhadores e assistidos, trocando experiências, dividindo dúvidas e buscando respostas.

Lembro-me de Laura. Quando cheguei, estava na reta final, pronta para partir. Com ela, passei apenas duas semanas. E apesar do pouco tempo, foi difícil despedi-me dela, pois muito deixou em mim.

Tinha aparência de menina, uma jovem senhora beirando os oitenta, prestes a si tornar feto e renascer. Era algo fantástico de imaginar e ver, literalmente, acontecer.

Possuía uma alegria que se espalhava por onde passava. Nunca a vi reclamar. Apenas agradecia. Não entendia também porque aquela forma tão envelhecida, que a fazia se arrastar, por ter-lhe tomado a vivacidade.

Certo dia não aguentei e questionei-a.

- Por que aparenta tanta idade? Não lhe exige mais gasto de força para fazer e entender?

-Escolhi que fosse assim, para não esquecer a labuta diária que enfrentarei na terra. Quero levar comigo a necessidade do esforço para me lembrar de lutar contra a preguiça e valorizar a cada dia que passarei por lá.

- Desculpe, mas não consigo compreender.

- Caro, Gregório, é que da última vez que lá estive, desperdicei meus dias com os prazeres, que me faziam supostamente feliz. E resguardei-me do trabalho. Curti a vida o quanto pude, porém, diante de tanto desmazelo, rapidamente envelheci. E quando percebi que havia algo por fazer, senti- me cansada e sem forças, entregando-me a preguiça. Logo, pouco construir. Desta vez quero fazer diferente. Desejo começar desde cedo a dedicar-me ao que, lá, comprometi-me a fazer. Não quero jogar mais uma vida fora, desperdiçando com o que não me é necessário. Quero levar comigo o registro da força que se esvaía, mas enquanto permanece, capacita ao fazer.

Fiquei ao seu lado longas horas a ouvi seus relatos. Com ela muito aprendi. E ao parti, deixou-me os livros que trouxera para o alojamento. Falava da cultura de um povo que deseja ser livre para dirigir a própria vida.

A anciã de pele negra havia sido escrava numa vida e sinhá em outra. Apanhou e bateu. Chorou e sorriu. Fugiu e fugiu. Na primeira vez do cativeiro de outros homens, na segunda, do cativeiro dos próprios desejos.

Autorizado a acompanhá-la nos primeiros dias de sua vida, ficava a sua espera. E no momento do sono, ao desdobrar do pequeno e frágil corpo que agora novamente possuía, vinha nos encontrar.

Compartilhava conosco das sensações de medo, angustia e esperança que a envolviam. Uma mistura de sentimentos e pensamentos que a cada dia tornava-se mais difícil identificar.

Depois de algum tempo, deixou de vim. Era preciso consolidar a vida terrena, que agora lhe abrigava. Passamos, então, a visitá-la. Por muitas vezes, peguei-a no colo e a acalmei, fazendo cessar a vontade de voltar aos seus.

Fazia questão de cumprir a minha promessa, a de fazê-la lembrar de seu registro. Contava-lhe as histórias que um dia me contou e a sentia aconchegar-se em meus braços. Sabia que estava a entender e a agradecer pelo o que dizia.

Entristeceu-me, quando fui retirado do grupo de visitas. Samuel explicou-me que precisava estar mais presente ao lado de Claus, uma vez que seria seu cuidador.

Essa era uma tarefa que deseja fazer por meu amigo. Pegá-lo ao colo e ao niná-lo, acalentando-o com as histórias que o fortaleceriam nos seus primeiros dias na nova vida terrena. Dá-lhe colo, assim como fez, comigo, quando por aqui cheguei.

Abraço afetuoso,

Gregório.

19.08.13

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