CRÔNICAS ESPÍRITAS – 10

13/01/2015 06:17

A crônica espírita de hoje nos brinda com uma bela história de carinho e afeto entre duas almas, de um tipo de raro de amor que ultrapassou as barreiras da carne.

Um relato de um amor que espera, que aguarda o momento certo para se mostrar e nos curar.

Imperdível.

 

 

CRÔNICAS ESPÍRITAS – 10

 

Vou contar hoje uma bela história de carinho e afeto entre duas almas, de um tipo de raro de amor que ultrapassou as barreiras da carne.

Num dia de trabalho mediúnico estava o médium a conectar-se com as vibrações de determinada ficha, quando se aproximou dele uma alma que emitia solidão, humildade, e profunda melancolia. Cumprimentei o espírito que respondeu repetindo o “boa noite” numa voz fraca de um idoso debilitado.

Visualizei na minha tela mental um senhor que aparentava ter perto de cem anos, cabelos alvinhos na face negra e enrugada, ao mesmo tempo doce e triste. Perguntei-lhe do por que tanta tristeza. Ele relutou um pouco em me contar, dizendo que bastava deixar ele sozinho, no canto dele porque estava esperando a morte chegar, e que não queria incomodar a ninguém.

Percebi que seu corpo espiritual sentia dores e lhe falei que trabalhava num grupo de auxílio aos doentes e que estávamos num grupo que visitava-os em casa.

Recurvado numa cama muito simples no seu casebre, disse morar sozinho e que estava esperando a morte do mesmo jeito que viveu, sozinho.

Pedi-lhe licença para por um unguento nas suas articulações, pois iria melhorar das dores, e ele praticamente dispensou porque disse que já não tinha mais jeito, iria desperdiçar o remédio com ele. Aceitou uma água e um pouco mais disposto aquiesceu ao auxílio.

Pedi-lhe para contar um pouco sobre sua vida, que relato abaixo, assim como algumas cenas que vi na minha tela mental.

Falou que nasceu como escravo e enfrentou as agruras desse período, mas que pelo menos ficou próximo dos seus pais. Quase toda a sua família pertencia aos donos de uma propriedade rural afastada e grande. Trabalhavam numa pequena plantação e na casa. Seus abastados “donos” não eram tão ruins, podiam alimentar-se bem e havia períodos de descanso.

Às vezes tinham notícias que as leis contra a escravidão iam mudar, mas para ele não passavam de rumores.

Senti que ele não queria mais falar, como se quisesse esconder uma determinada lembrança. Os benfeitores amigos me intuíram e pedi-lhe para falar da sua jovem amiga.

Quando criança brincava com as outras crianças, mas tinha uma em especial, que se afeiçoara. Uma alegre menina era a sua companheira predileta nas brincadeiras singelas, nas corridas até a mata, na subida em árvores, na construção de bonecos com gravetos e etc. Seu rosto foi se iluminando à medida que lembrava dela. Continuaram amigos até que esta afeição se transformou em amor, trocando juras de uma união no futuro.

Devia ter cerca de 14 ou 15 anos de idade, e ela um pouco mais nova, quando um alvoroço se estabeleceu na fazenda. As notícias chegadas da cidade indicavam que havia uma lei que não foi cumprida pelos donos, a lei do “Ventre Livre”, e que as crianças e jovem até certa idade seriam deslocados, escondidos ou vendidos. Possivelmente denunciado, o senhor da propriedade, temendo mais prejuízos, convoca um traficante de escravos, já numa condição ilegal para vender o que podia. Eis que sua amiga e companheira é uma das primeiras a ser vendida.

Naquele dia perdeu sua mentalidade quase infantil e com pouca malícia, envelhecendo sua alma por dentro. Imensamente triste queria fugir para descobrir o paradeiro da amada, mas temeu pela vida dos seus pais, ameaçados como os demais, de muitos castigos e de morte certa, caso algum escravo jovem fugisse.

Alguns anos passaram, e logo após a Abolição da Escravatura, recebe a visita de um conhecido que veio procurar os pais e foi vendido na mesma ocasião da sua amada. Contou-lhe que ela faleceu dois ou 3 anos após sua saída, submetida a maus tratos, doente e saudosa do “lar” que conheceu.

Permaneceu na propriedade até a morte dos pais, que continuaram a viver lá onde nasceram; mesmo já na condição de escravos libertos, temiam um futuro pior se saíssem daquele lugar para aventurar a procura de um local para morar e um trabalho incerto, pois não tinham perspectivas de uma vida muito diferente. Cada um dos seus irmãos foi para um lugar cujo destino desconhecia.

A fazenda foi vendida e repartida, e ele ficou cuidando de uma plantação numa dessas áreas, num casebre simples que ele mesmo construiu com o barro e suor das suas mãos. Recluso, trabalhou na terra arduamente até o resto dos seus dias. Comia o que plantava. Sua alegria era contemplar a natureza e lembrar da amada. Na maior parte do tempo conformava-se com seu “destino”, mas a saudade da amada ocorria, regada a melancolia. Não queria mais constituir uma família, não se casou e manteve-se casto, fiel a ela.

Senti uma presença luminosa e alegre aproximando-se, era uma jovem de olhos negros e brilhantes, que logo percebi como sendo a sua amada. Pedi-lhe para sair um pouco da casinha, pois ele tinha uma visita, e lhe disse que seria uma surpresa. Mesmo desconfiado, andou amparado por um dos trabalhadores desencarnados da casa, que pode enxergar ao longo da conversa. Mexeu nos olhos e não conseguia acreditar no que ele via: “É ela, é ela?”

Virou o rosto e segurou na minha mão: “- Como pode isso? Estou morto ou doente do juízo?”

Tocado no coração, sentia que esse encontro era verdadeiro e me pediu: “- Não deixe ela me ver assim, velho, doente, feio e sem dentes, e ela linda e jovem! Como ela pode me amar assim desse jeito, olha a diferença de idade!”

E voltando à antiga tristeza disse, envergonhado, que seria um fardo e um castigo para ela cuidar daquele velho. No seu pensamento queria que o levasse à antiga reclusão para poupar a amada. Esse amor, verdadeiramente abnegado, acendeu uma luminosidade no seu perispírito. O olhar do espírito da jovem parecia lhe envolver nos seus eflúvios amorosos, reestabelecendo entre ambos uma conexão mais forte.

Disposto a ir até uma Casa de Saúde para se tratar e melhorar, para estar com amada, deixei-o andando com um trabalhador e a ligação foi desfeita. O médium e eu, muito comovidos, fomos às lagrimas, agradecendo ao Pai-Mãe de todo Amor e Luz, a oportunidade de presenciar esse encontro de Almas.

 

Muita PAZ para todos nós.

Francesca Freitas

06-01-2015

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