CRÔNICAS ESPÍRITAS -14

23/03/2015 06:43

O Momentos de Luz continua o relato de um atendimento a um aristocrata, acostumado a todos os tipos de regalias, contudo, se apresentando doente, teve suas bases contestadas.

Hoje temos a beleza dos efeitos desse atendimento, não no acolhido, mas no acolhedor, possibilitando reflexões profundas sobre a nossa relação com o outro, com os seus defeitos e suas qualidades.

Reflexões que deve ir além do papel em nossas vidas.

 

 

CRÔNICAS ESPÍRITAS -14

 

O relato descrito na semana passada me levou a várias reflexões, mas para tecê-las preciso continuar sua história.

O Senhor estava sentado num banco do jardim, meio a contragosto, e reclamando de dores na perna ferida. Visualizou num pequeno grupo de pessoas alguém de fisionomia familiar. Disse-me que tinha avistado um conhecido colega, Conselheiro do Hospital, no local, mas que talvez estivesse tendo alguma visão estranha porque, supostamente, ele tinha morrido, então que a notícia deveria ter sido falsa. Apoiou-se no banco como se fosse desmaiar, e disse que não estava passando bem. Os passes ministrados pela Espiritualidade Amiga melhoraram a breve perturbação na sua consciência, ao tempo em que respirava seguindo minha orientação.

Em seguida, pediu que eu iniciasse o curativo com brevidade, e que lhe desse o material para que ele trocasse depois. Esse “pedido” soava como um socorro imperioso. Captei mentalmente o seu receio em encontrar o antigo companheiro de trabalho com o odor da ferida fétida. Impaciente, mostrou a perna apontando para o ferimento. Descrevi alguns procedimentos e com os cuidados prestados, ele mostrou-se aliviado e mais disposto. 

Queria aproximar-se do grupo para descortinar o rosto amigo, e bastou este seu intento para ver a presença do mesmo acercando-se dele. Disfarçou a alegria com um sorriso cortês e cumprimentou-o. Este Espírito já era um trabalhador experiente, e iniciou um diálogo apresentando seu trabalho na Instituição com uma breve explanação quase interrompida pelo nosso conhecido aristocrata, como bem sucintamente descrito por nosso “editor” Gabriel. 

Impaciente, queria pontuar todas as falhas observadas com a veemência costumeira, contudo colocando-se à disposição para auxiliar na administração do local, devido a sua vasta experiência. O Espírito o convidou para hospedar-se na Instituição, e lhe disse que, após alguns dias de descanso e reflexão, sua colaboração seria bem-vinda; iriam encontrar um setor  que se beneficiaria das suas habilidades. 

Sua psicosfera estava bem diferente, como que atingido por um raio de esperança, ele despediu-se de mim, agradecendo polidamente.

Bem, quanto a mim, confesso que se estivesse dialogando com um encarnado possivelmente teria retrucado a algumas das suas observações e talvez até entrando num confronto verbal desnecessário. Facilmente o tacharia de “chato” e antipático, procurando desvencilhar-me dele o mais breve possível. 

Só tenho a agradecer aos Espíritos de Luz que nos conduzem no trabalho, pois atribuo a influência dos mesmos à paciência e ao olhar amoroso que tive no decurso deste atendimento, em particular. E quanto aprendizado tive.

A Misericórdia Divina se compadece das nossas fraquezas, e todo o trabalho bem intencionado pode ser dirigido ao bem.

Pensei na sua formalidade e polidez que seguravam a agressividade, serviam de freio a arroubos de ira. Pensei que poderia haver hábitos arraigados por uma educação fria e exageradamente disciplinadora e inflexível na sua infância, ou em outras vidas. Pensei na solidão interior desse Espírito, que não desenvolveu ou podou muitas de suas emoções em nome de costumes, preconceitos culturais e padrões rígidos de comportamento. 

E finalmente, pensei nas suas qualidades. Era pontual e organizado, bem disposto ao trabalho, culto, bom em cálculos e disciplinado. Certamente haveria um local, uma determinada função para aproveita-las da melhor maneira, ao tempo em que se restabelecia e aprendia a desenvolver os mais nobres sentimentos. Dentre esses a benevolência com os seus semelhantes.

Iniciei o trabalho e num breve relance vi logo seus defeitos, mas foi a minha própria disciplina e confiança nos Irmãos Maiores que permitiram sua continuidade. A compaixão e paciência que me são dispensadas, também devem ser estendidas ao próximo.

Esses atendimentos também me transformam numa pessoa menos pior, ou melhor que antes.

E muito grata a Fonte de Todo Amor e Luz e à Espiritualidade Amiga desta Casa de Caridade de Esperança e Fé, encero hoje.

 

De “O Envangelho Segundo o Espiritismo”

A benevolência para com os semelhantes, fruto do amor ao próximo, produz a afabilidade e a doçura, que são a sua manifestação. Entretanto, nem sempre se deve fiar nas aparências, pois a educação e o traquejo do mundo podem dar o verniz dessas qualidades. Quantos há, cuja fingida bonomia é apenas uma máscara para uso externo, uma roupagem cujo corte bem calculado disfarça as deformidades ocultas! O mundo está cheio de pessoas que trazem o sorriso nos lábios e o veneno no coração; que são doces, contanto que ninguém as moleste, mas que mordem à menor contrariedade; cuja língua, doirada quando falam face a face, se transforma em dardo venenoso, quando falam por trás.

A essa classe pertencem ainda esses homens que são benignos fora de casa, mas tiranos domésticos, que fazem a família e os subordinados suportarem o peso do seu orgulho e do seu despotismo, como para compensar o constrangimento a que se submetem lá fora. Não ousando impor sua autoridade aos estranhos, que os colocariam no seu lugar, querem pelo menos ser temidos pelos que não podem resistir-lhes. Sua vaidade se satisfaz com o poderem dizer: “Aqui eu mando e sou obedecido”, sem pensar que poderiam acrescentar, com mais razão: “E sou detestado”.

LÁZARO,  Paris, 1861

 

 

Muita paz para todos nós.

Francesca Freitas

17-02-2015

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