DIAS DIFÍCEIS
Gregório retorna, esta semana, no Momentos de Luz e compartilha conosco de momentos de aflição. Momentos que nos levam ao desespero e comprometem a nossa confiança em Deus.
Apresenta-nos uma narrativa que, infelizmente, tem se tornado comum ao nosso dia-a-dia. Uma narrativa que tememos acontecer, que nos torna prisioneiros nos nossos lares, que leva o ódio aos nossos corações.
Por fim, despede-se de nós, comprometendo-se a retornar na próxima semana e compartilhar conosco do encontro amoroso com seu cuidador. Porém, antes de partir, presenteia-nos com um exemplo de fé.
Boa reflexão!
Andréa
DIAS DIFÍCEIS
Eis que era dia, após a partida de uma noite tenebrosa. Ouviam-se ainda gritinhos de pavor que foram cessando pouco a pouco. E a luz surgiu. E com ela a esperança se renovou e os que estavam ali reunidos conectaram seus corações a Deus e se envolveram numa prece de amor, de gratidão.
Foram cinco dias ao todo, mas parecia uma eternidade, até para o nosso padrão de tempo. Não imaginava ver nada assim por aqui. Ligado à carne, nuca havia presenciado tamanho sofrimento.
Eram tempos difíceis e Maria sentada à beira da porta, a catar feijão, o resto que lhe sobrara para matar a fome dos seus pequeninos. Fazia com capricho. Conseguira um pedacinho de carne, que daria gosto ao pobre alimento que sustentaria sua família naquele dia.
Ao entrar, ouviu um barulho ensurdecedor. Voltou o corpo para a porta e avistou dois homens que adentravam a casa. Nunca havia os visto antes. Não teve tempo de perguntar o que desejavam por ali. Foi tomada pelos cabelos e lançada ao chão.
Feijões espalhados pelo chão da sala. Gosto de sangue na boca. Pensou em gritar, até que viu um dos seus filhos arrastado para dentro. E, pela primeira vez, foi dito alguma coisa: - Fiquem quietos ou vão morrer.
Maria não compreendia o que estava acontecendo. Sempre foi dona de casa aplicada e passou aos cinco filhos a lei moral do Cristo. O que ocorria? Será que o irmão era o causador de tudo aquilo?
O marido trabalhador queixava-se do irmão mais novo da mulher. Não queria nada com a vida além da diversão. Adolescente, pouco mais de treze anos, ficava para cima e para baixo a jogar bola e a paquerar as meninas da rua.
Maria o recebeu aos doze anos, quase um ano atrás. A mãe, residente no interior, fez o pedido para que ela abrigasse o irmão e lhe desse uma vida melhor. Maria, apesar de toda dificuldade que passava, não conseguiu dizer não e convenceu o marido a aceitar o mais novo membro da família Teixeira.
Agradecido a sogra pela ajuda no inicio da vida. Aceitou com pouca resistência o pedido da mulher amada. Simplesmente disse que ele precisaria estudar e trabalhar de aprendiz. Labutou escola e serviço, mas o menino só faltava e perdeu os dois.
E agora o marido também havia perdido o emprego. Fazia um mês, num corte da empresa. A família passava por momentos difíceis. Maria lavava para fora, fazia faxina quando aparecia, mas o tempo estava difícil para todo mundo e muitas freguesas a dispensaram por não ter como pagar.
Porém, era uma família temente a Deus. Esse foi o ensinamento que recebeu quando era criança: ser temente a Deus. Orar e resignar-se. E assim ela fazia. Todas as noites reunia a família ao redor do candeeiro, lia uns trechinhos da bíblia e elevava os corações a Deus. Rezavam juntos adultos e crianças.
Logo a polícia chegou e gritando, perguntava: Tem alguém em casa? O mais alto pegou Maria pelo braço e a orientou a receber os policiais e a despachá-los. Maria obedeceu, tremendo as pernas que mal conseguia ficar de pé. Deu bom dia e procurou saber o que eles queriam.
Aproveitou para encaminhar os outros filhos que brincavam na rua para a casa da vizinha. Deveriam ficar por lá, prometendo que os pegariam quando o almoço estivesse pronto. Afirmou várias vezes para que não saíssem de lá e que só ela podia pegá-los.
O mais velho achou estranho. Dez anos de esperteza, encaminhou os menores e ficou escondido, apreciando a cena. Os homens dentro da casa pigarrearam para Maria não esquecer que um dos seus filhos estava sob a mira deles.
Ela apressou-se em falar com os policias. Os homens fardados explicaram que dois fugitivos da polícia haviam fugido para aqueles lados e a questionaram por notícias. A mulher disse que nada sabia e solicitou autorização para voltar para dentro, pois havia deixado à panela no fogão.
O velho policial, esperto e experiente, perguntou a causa de tanto nervosismo. E a mulher apavorada disse que o marido havia perdido o emprego e estava aflito dentro de casa, chorara que nem criança e agora estava deitado, a olhar para o teto, sem esperança.
Sensibilizados, os policias atenderam a solicitação da mulher. Despediram-se com um aceno de cabeça e retornaram as buscas. Maria entrou e foi empurrada para perto do filho, que parecia imóvel. O outro homem segurava sua boca com tanta força que ao retirá-la parecia que ainda permanecia lá, tamanha a dor da pressão dos dedos.
A espiritualidade amiga correu até aquele lar terreno quando percebeu o que ocorreria. Eu acompanhei os dois companheiros que zelavam por aquele simples lar. Presentes, durante todo o ocorrido, lançávamos energias salutares sobre os que ali permaneciam.
Enquanto lá fora, o menino esperto ficou na espreita. Observava tudo que havia ocorrido e o que estava agora a ocorrer. Jamais viu sua mãe tão nervosa. Sabia que o pai saíra cedo e ainda não retornara. E viu quando os dois homens entraram pela porta.
Pensou que era cobrança. Nos últimos tempos, todo dia aparecia alguém cobrando: padeiro, açougueiro... a situação estava difícil, mas nunca viu sua mãe tão nervosa.
Quando a polícia saiu, correu para o murro que separava a sua casa da do vizinho e expiou por um buraco descoberto por ele semanas antes. Motivo de brincadeira, ficava a imaginar que se tratava de um telescópio e que tudo podia ser visto a partir dele.
Ora botava o olho pequenino, ora botava o ouvido, tentando descobrir o que acontecia. Os vizinhos não estavam. Então, como nada descobria, subiu a escada da laje, que ficava na lateral da casa e por onde podia ver a janela de sua casa.
Assustado, viu sua mãe no chão, abraçada ao irmão menor, enquanto dois homens andavam de um lado para o outro. Desceu correndo e foi ao campo de futebol procurar o primo, que o acompanhou pelas ruas em busca dos policias.
Já estavam deixando a comunidade, quando os dois meninos esbaforidos chegaram pedindo ajuda. Explicaram o que ocorria. Os policias pediram reforços pelo rádio e voltaram até a casa.
Foram dias de tensão. Os homens não saíam e nem deixavam a policia entrar. Mãe e filho reféns. A vizinhança na frente da casa a torcer para que tudo terminasse bem.
O pai chegou em meio a esta loucura. Temeu pela vida da esposa e dos filhos. Iluminado, despiu-se do desespero e chamou todos a rezar. Era uma aflição de cortar o coração.
Gritos e choros se reuniam as orações. Negociações foram feitas e por três dias o sofrimento permaneceu naquele lar. A espiritualidade permanecia presente, envolvendo algozes e vitimas. Até que no quarto dia ouviu-se um tiro.
Estremecidos, os vizinhos correram de todos os lados. Curiosos queriam entender o que ocorria. Era madrugada e poucos estavam na rua, em frente a casa, a observar.
A polícia invadira a casa. Um tiro foi disparado. O menino encontrado no chão, ferido. A mãe a chorar pedia socorro. Foram mais dois dias de angustia e dor.
Fui enviado de volta. Sucumbi ao desespero da mãe e fui substituído. Do leito, roguei pela vida do pequeno. Eu e todos os outros numa grande corrente.
Foi minha primeira vez diante da dor causada pela violência. Não consigo descrever todos os detalhes do que vi e senti. Posso dizer, diante da pequena narração dos fatos, que senti dor e raiva, questionei a misericórdia divina, protestei.
Meu cuidador veio ao meu encontro na manhã do quinto dia. O sol brilhava intensamente e aqueceu meu coração ao saber que o pequenino estava vivo e fora de perigo.
Após a feliz notícia, que me levou ao choro compulsivo, esperou que me acalmasse e convidou-me a caminhar. Sabia que meu coração seria acolhido, minhas dúvidas seriam respondidas e lições seriam aprendidas.
Retorno na próxima semana para contar-lhes o teor da nossa conversa. Despeço-me, acrescentando que, diferente de mim, não vi Maria perder a confiança em Deus.
Gregório
13.01.13