Então, é sempre Natal!

21/12/2010 10:27

O texto natalino desta quarta pede para evitarmos uma falsa gravidez, permitindo um verdadeiro nascimento. Um nascimento para o apagar das luzes dos artifícios humanos e o esvaziar das crenças e valores religiosos e materialistas.

Um natal verdadeiro consiste na busca do silenciar as vozes que entorpecem o espírito; em humilde quietude, do deixar que o coração providencie amplo espaço para a alma. Permitir, assim, que Cristo venha cear com a gente, mesmo que no dia de natal estejamos ou nos sintamos humanamente sozinhos ou optemos pelo jejum.

Esperamos que todos gostem.

 

Então, é sempre Natal!

por Oliveira Fidelis Filho - fidelisf@hotmail.com   
Teólogo Espiritualista, Psicanalista Integrativo, Administrador,Escritor e Conferencista, Compositor e Cantor.

 

"Então, é Natal e o que você fez? O ano termina e nasce outra vez. Então, é Natal a festa cristã do velho e do novo, do amor como um todo. Então, bom Natal pro branco e pro negro, amarelo e vermelho pra paz, afinal..." John Lennon e Yoko Ono.

 


Não é fácil escrever sobre o Natal sem se deixar enredar em obviedades, em frases feitas para nos manter prisioneiros da superficialidade. Natal é festa cristã redunda John Lennon, entretanto, em meio ao brilho das inúmeras e diferentes comemorações, quanto da dimensão Crística pode ser garimpado?  Ainda que o verdadeiro ouro continue a reluzir, muito pouco do que brilha é verdadeiramente Natal. Até porque à medida que somos anestesiados pelo "espírito natalino" tornamo-nos também presas fáceis e úteis do "espírito consumista".


Para milhões que se alimentam do "clima de natal", as emoções, sentimentos, pensamentos e atos dos quais se abastecem tem pouca duração; geralmente, tal energia natalina já se mostra esvaziada no dia seguinte. O que geralmente permanece é a ressaca, a sonolência, o sentimento de vazio, de incompletude.

O Natal nos remete ao nascimento de uma criança; uma em especial, aquela na qual o Logos Eterno se encarnou e onde à Essência Divina foi facultada plena expansão e expressão. Em cuja existência a humanidade pode perceber sua razão de ser, seu ideal, seu propósito, seu Caminho, sua Verdade, sua Vida.

Ao atentar para as comemorações alusivas ao natal percebo a expectativa, a euforia, as incontáveis felicitações; entretanto, o que geralmente permanece é Natal sem nascimento, casa e quarto enfeitado mas com o berço vazio, festa de aniversário onde o aniversariante é ignorado.


É possível comparar o frenesi natalino a uma falsa gravidez,  gestação imaginária sem concepção de fato. Vale lembrar que os sintomas de uma gravidez psicológica são similares aos de uma gravidez verdadeira; a diferença básica é que a verdadeira tem conteúdo.


Permito-me tal analogia por saber que para muitos o natal é como um nascimento que não vinga, uma semente que não germina, um botão que não se abre, uma esperança que não se realiza. Verdadeiramente, em incontáveis lares a "criança divina" não nasce. No berço dos corações ela, em sua divina expressão, não se encontra. Há arranjos, luzes, presentes, euforia, mas falta a Vida. O Natal torna-se assim um elaborado faz de conta, um tempo e um espaço onde a Verdade continua com a sua hospedaria ocupada pelo vazio.

Um dos efeitos colaterais deste vazio, de não atentarmos para a necessidade da expansão espiritual, de não reconduzirmos o aniversariante ao seu devido lugar, é que a mesa da ceia de Natal mantém-se repleta de corações destituídos da Vida. A existência esvaziada da presença Crística deixa-nos indefesos diante dos ataques, por vezes letais, que o "espírito de solidão" deflagra e que acentuadamente é percebido no tempo do Natal. Por mais que alegria, felicidade e paz sejam palavras de ordem, a solidão, não raras vezes, insiste em permanecer e ampliar seu sufocante domínio. Em tais circunstâncias, a angústia pode ser também entendida como saudade que a alma sente de Deus.


Outra conseqüência do Natal estruturado "no espírito consumista" que tem na figura do Papai Noel seu "garoto propaganda", "padroeiro de honra" do comércio, é que acaba por transformar as comemorações alusivas ao nascimento de Jesus em instrumento de ganância, injustiça e, conseqüentemente, de tristeza e de revolta. Geralmente, neste período o abismo sócio-econômico se escancara ferindo profundamente a alma e a dignidade dos nossos irmãos que vivem à margem do universo consumista. Sobretudo, as crianças inocentes e carentes que, sem entenderem o que acontece, só lhes resta ilusoriamente esperar que da mesa dos "ricos" caiam algumas "migalhas" capazes de mitigar sua desesperada fome de amor, de verdade e de justiça.


Por que é, na experiência de muitos, assim? Por que tanto cuidado com a aparência e descuido com a essência? Por que a menção do sagrado não raras vezes desagrada, constrange e parece não combinar com o ambiente?  Por que precisamos comer e beber de forma geralmente desregrada? Por que tantas árvores e luzes artificiais?


Em primeiro lugar, porque quando falta essência, forçoso se faz investir na aparência. O Natal que se propõe ser congruente tem a ver com os valores do Reino espiritual, como nos ensina São Paulo: "O Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo". Portanto, comemora-se verdadeiramente o Natal vivendo guiados pela Luz do Amor de Cristo. Tal iluminação precisa manter constantemente aceso no coração, sem piscar, o amor, a justiça, a paz e a alegria.


Em segundo lugar, a ausência de Cristo, em muitas comemorações natalinas, deve-se ao fato da religião ter transformado o Jesus acolhedor, acessível, que se movia por compaixão e misericórdia, e para o qual concorriam as multidões, em um instrumento gerador de culpa e julgamento. O Jesus religioso não mais vive entre as pessoas, não partilha com elas seus acertos e desencantos, tornou-se prisioneiro dos templos, serviçal de líderes religiosos e instrumento de ameaça e opressão. Ele não come e bebe mais com pecadores e publicanos; passou a ter a sua liberdade definida pela fé institucionalizada. Tornou-se propriedade de enfermos que se declaram sãos, de cegos que acreditam enxergar. Criou-se assim uma estranha e instransponível muralha entre o sagrado e o profano; como em sua época histórica, é o "sagrado" quem mais O profana.


Em terceiro lugar, cede-se aos incoerentes excessos no natal, geralmente por não se satisfazer a fome e a sede de individuação, de congruência, de Deus. Tal vazio existencial, no entanto, não se preenche com ceia opulenta, luzes artificiais ou barulhos excessivos; faz-se necessário esvaziamento e silêncio, meditação e oração para que a presença Crística sacie toda fome e dessedente toda sede, alimentando assim com a Vida todas as dimensões da vida. Afinal, lembrando o Mestre, "nem só de pão vive o homem".


Se o Natal desejado é o do advento de Jesus, necessário se faz o apagar das luzes dos artifícios humanos e o esvaziar das crenças e valores religiosos e materialistas. É preciso silenciar as vozes que entorpecem o espírito; em humilde quietude, deixar que o coração providencie amplo espaço para a alma. Permitir, assim, que Cristo venha cear com a gente, mesmo que no dia de natal estejamos ou nos sintamos humanamente sozinhos ou optemos pelo jejum.  


Natal é humanidade possuída e grávida de divindade, é o Céu morando na Terra, é Deus se expressando plenamente no homem. Mais do que um acontecimento, ou uma data é uma dimensão, um estado de ser, um existir sob os flocos da Paz, um caminhar na claridade da Luz Crística, é ser comandado pelo Amor, é sentir na alma o estouro da alegria que nasce na solidariedade, é caminhar movido por bondade e misericórdia, é ouvir na alma o coro dos anjos. 


Então, é sempre Natal!

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