MEU LAMENTO

23/03/2015 06:41

Há momentos em que refletimos sobre a nossa vida e as suas conquistas. Quando percebemos que as conquistas são puramente materiais, surge o lamento.

O Momento de Luz de hoje é o retrato desse lamento. Uma gota de poesia no oceano das reflexões.

Que seja lindo o Momento, que seja linda a semana.

 

 

MEU LAMENTO

 

O meu lamento é como pedra triste

No despertar da luminosa aurora

Que à triste noite impávida resiste

Com a lembrança da vida de outrora

 

E como a pedra de coração duro

Passa pela noite ao frio que devora

Não chegarei a ser fruto maduro

Nem poderei rolar o mundo afora.

 

Às vezes, louco, sinto a consciência

Como a tempestade açoita tenra flor

Submetam-me logo ao rigor da ciência

Para trazer calma a minha imensa dor.

 

Minha vida no corpo é folha ressecada

Voando sem destino ao sabor dos ventos

Cai no rio bravo, triste e amordaçada

Descendo ao fundo no peso dos tempos.

 

A minha aurora já não é tão bela

Como o gentil rio coberto de neblina

Singrado em silêncio pelo barco a vela

Despedaça incauto a flor que o sublima.

 

Busco alegrias no passar de idade

Porque a tristeza ainda em mim resiste

Já se vão os tempos da fútil vaidade

E a minha frágil vida continua triste.

 

Sou como a gota que a onda carrega

Navegando a vida no fervor intenso

Despertando tonto no meio da refrega

Na multidão de gotas, o vazio imenso.

 

Minha alma triste suprimiu as cores

Como tremores de uma noite fria

Quando a geada destruiu as flores

Sugando sua alma em vil agonia.

 

É como o sino ao cair da tarde

Chamando a noite no dobrar choroso

Como a voz tremida que doente arde

No final de vida o infeliz idoso.

 

Minha alma voa com asas partidas

Na desesperança de andorinha à toa

Na proximidade de uma despedida

Apesar das graças de uma vida boa.

 

Sou como coruja numa noite escura

Quando em voo raso desce pelos ares

Navegar perdido de uma alma dura

Como aço de proa recortando os mares.

 

No andar da vida meu sorriso é triste

Exprimindo o fel da dor que me devora

Alegrias frágeis já não mais resistem

Ao corpo cansado de uma alma à toa.

 

Dizem que há gozos nas mundanas tramas

Não os encontrei no viajar do tempo

Talvez se minha alma fosse mais humana

Sentisse esperanças vindas pelo vento.

 

Já não há mais sonhos como noutros tempos

No vigor infindo da tenra juventude

Quando a inocência era santo templo

Como flor viçosa cheia de virtudes.

 

Na estrada da vida encontrei amores

Que deixei perdidos no passar do tempo

Por desinteresse ou infantis temores

Foi semeadura a colher lamentos.

 

Sou folhas nas ramas de viçoso verde

Onde a flor cantava sua primavera

Hoje amarelada suas ânsias perde

Caindo pela borda do seu barco a vela.

 

Da antiga vida só resta a saudade

Pois a cor da lua já não é tão bela

Que no outro mundo haja liberdade

Não seja tão triste, esta como aquela.

 

ACA

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