MEU LAMENTO
Há momentos em que refletimos sobre a nossa vida e as suas conquistas. Quando percebemos que as conquistas são puramente materiais, surge o lamento.
O Momento de Luz de hoje é o retrato desse lamento. Uma gota de poesia no oceano das reflexões.
Que seja lindo o Momento, que seja linda a semana.
MEU LAMENTO
O meu lamento é como pedra triste
No despertar da luminosa aurora
Que à triste noite impávida resiste
Com a lembrança da vida de outrora
E como a pedra de coração duro
Passa pela noite ao frio que devora
Não chegarei a ser fruto maduro
Nem poderei rolar o mundo afora.
Às vezes, louco, sinto a consciência
Como a tempestade açoita tenra flor
Submetam-me logo ao rigor da ciência
Para trazer calma a minha imensa dor.
Minha vida no corpo é folha ressecada
Voando sem destino ao sabor dos ventos
Cai no rio bravo, triste e amordaçada
Descendo ao fundo no peso dos tempos.
A minha aurora já não é tão bela
Como o gentil rio coberto de neblina
Singrado em silêncio pelo barco a vela
Despedaça incauto a flor que o sublima.
Busco alegrias no passar de idade
Porque a tristeza ainda em mim resiste
Já se vão os tempos da fútil vaidade
E a minha frágil vida continua triste.
Sou como a gota que a onda carrega
Navegando a vida no fervor intenso
Despertando tonto no meio da refrega
Na multidão de gotas, o vazio imenso.
Minha alma triste suprimiu as cores
Como tremores de uma noite fria
Quando a geada destruiu as flores
Sugando sua alma em vil agonia.
É como o sino ao cair da tarde
Chamando a noite no dobrar choroso
Como a voz tremida que doente arde
No final de vida o infeliz idoso.
Minha alma voa com asas partidas
Na desesperança de andorinha à toa
Na proximidade de uma despedida
Apesar das graças de uma vida boa.
Sou como coruja numa noite escura
Quando em voo raso desce pelos ares
Navegar perdido de uma alma dura
Como aço de proa recortando os mares.
No andar da vida meu sorriso é triste
Exprimindo o fel da dor que me devora
Alegrias frágeis já não mais resistem
Ao corpo cansado de uma alma à toa.
Dizem que há gozos nas mundanas tramas
Não os encontrei no viajar do tempo
Talvez se minha alma fosse mais humana
Sentisse esperanças vindas pelo vento.
Já não há mais sonhos como noutros tempos
No vigor infindo da tenra juventude
Quando a inocência era santo templo
Como flor viçosa cheia de virtudes.
Na estrada da vida encontrei amores
Que deixei perdidos no passar do tempo
Por desinteresse ou infantis temores
Foi semeadura a colher lamentos.
Sou folhas nas ramas de viçoso verde
Onde a flor cantava sua primavera
Hoje amarelada suas ânsias perde
Caindo pela borda do seu barco a vela.
Da antiga vida só resta a saudade
Pois a cor da lua já não é tão bela
Que no outro mundo haja liberdade
Não seja tão triste, esta como aquela.
ACA