O AMANHECER
Gregório, esta semana, compartilha uma de suas lindas e inspiradoras vivências. Encoraja-nos a confiar no amanhecer como um recomeço, quando novas possibilidades se abrem, favorecendo o seguir. E a oferecer ao outro o que temos de melhor, sem medo de errar.
Boa reflexão!
Andréa
O AMANHECER
Amanhecer é uma dádiva que vivenciamos diariamente. Ao nascer o sol, finda-se a escuridão da noite, abrindo-se portas para o começo de um novo dia. Não é a primeira e nem será a última vez que me veem contemplá-lo
Desde sempre, encarnado ou desencarnado, tenho uma ligação forte com o renascer do dia. Ele é intensamente simbólico para mim. Lembro-me de deixar partir toda a dor que me dilacerava, a me ver renascer, novo e esperançoso, como o novo dia.
Acho que aprendi, ainda criança, a captar do sol esse milagre de renovação. Doentinho, passava à noite em claro, sem conseguir respirar direito e, ao nascer do dia, recuperava as forças. Com alívio, minha mãe dizia:
“-Agradeçamos por mais um dia”.
Para quem tem problemas nos pulmões, o dia é sempre melhor que à noite. A frieza noturna desperta os chiados no peito, que se tornam mais audíveis. Uma sinfonia nada agradável para quem vive ou cuida.
Sem poder fazer esforços, só restava-me a companhia do papel e do lápis. Eram mais confortáveis e agradáveis do que os carrinhos que tinham de parar logo após a partida, por falta de combustível em mim.
“- Graças a Deus e a mãe preta, amorosa e sábia, sarou”. Assim dizia minha mãe a todos que se surpreendiam com minha recuperação. Meu pai complementava, adicionando seu cuidado, sua dedicação e seu amor. E ela sorria, feliz com o reconhecimento.
Deus olhava-me e cobria-me de bênçãos. Mãe preta fazia remédios naturais e orava, cobrindo-me de proteção e produzindo saúde. E minha mãe colocava-me no colo, cantava e contava histórias para me acalmar, cobrindo-me de luz e de esperança. Os três, juntamente com meu pai, cobriam-me de amor.
Ele nada fazia até me ver melhorar. Fazia um pouco de tudo. Procurava as ervas que mãe preta precisava. Comprava livros para minha mãe ler. Passava hora em frente ao Cristo a orar para o Pai e para o Filho.
O amanhecer reforça o amor em mim, ao lembrar–me destas belas criaturas, ao pé da minha cama, a comemorar pelo meu despertar a cada dia que recomeçava.
Levei esta lembrança registrada em meu coração. E a acionava, a cada novo dia que surgia, após uma noite tenebrosa de pensamentos confusos em busca de soluções para enfrentamentos dos problemas.
Por aqui, passei por tudo isso. No começo da vida após a morte, sem a luz do conhecimento, tudo é escuridão. Em alguns lugares, nem mesmo é possível ver e identificar o dia.
Banhados pelos horrores da culpa e do medo, sem acreditar na continuação da vida, só vivencia-se a frieza da noite. Cegos, martirizados por si mesmo, desconhece-se a possibilidade de saída e permanece-se preso ao abismo do desespero.
Foram longas noites, sem dia. E foi somente quando acessei as lembranças descritas acima, que pude enxergar a luz. Neste momento, senti dentro de mim que existia saída. Então, levantei os olhos para o alto e orei.
A luz foi crescendo, crescendo tanto que ofuscou minha visão. Num primeiro instante, acreditei que o incomodo com a intensidade do clarão, me fez ter alucinações.
Vi homens luminosos ao meu redor. Sorriam, acalentavam-me como as minhas mães e meu pai. Cantei, delirante, a canção que minha mãe cantava para mi e me vi flutuar.
Fui erguido e levado. Durante o percurso, entoavam cantos suaves que me ajudavam a relaxar. Tentei imitar os sons, mas não consegui. Curioso, briguei para manter os olhos abertos.
Vi árvores, céu, o amanhecer mais lindo que já havia visto e um portão. Grande, parecia de bronze, passei por ele e sem mais consegui resistir, adormeci.
Lembro-me de ser colocado numa cama. Ser limpo, trocado e alimentado. Parecia entorpecido, não conseguia atentar para nada específico. Minha mente não funcionava como antes. Minha última visão, a que guardei comigo, com clareza, foi o rosto amoroso do meu cuidador.
Nos dias seguintes, meu despertar era incompleto. Reconhecia no seu olhar o amanhecer que me fornecia luz e esperança. Porém, diferentes de outros momentos da minha vida, a noite era estrelada e convidativa.
O resto da história já conhecem. Os inúmeros adormecer e despertar. Até que finalmente acordei, ao chamado da minha curiosidade e recebi as boas vindas de meu amigo, cuidador.
Hoje, senti-me como naqueles primeiros dias, repletos de dúvidas, construído inúmeros questionamentos. E, como antes, só a imagem do amanhecer me acalmava e conduzia a uma reflexão mais tranquila e produtiva.
Resgatando as nossas últimas conversas, fazia alguns meses que estávamos reunidos para o processo reencarnatório de Claus. A proximidade levava-me a escuridão. Temia perdê-lo. Sua companhia era símbolo de fortaleza para mim.
Temia sucumbir, apesar dos outros amigos e mestre que me auxiliavam no processo do crescimento. Do olhar de Claus recebi o primeiro raio de sol. Ele participou do meu resgate e acompanhou-me durante toda minha trajetória.
Queria poder segui-lo. Contribuir com ele, assim como fez comigo, mas sentia-me pequeno para isso, despreparado. Embora, já não assumíssemos os papeis unilaterais de cuidador e cuidado. Éramos amigos, companheiros de jornada. Trabalhávamos juntos, apoiando um ao outro no cumprimento de nossas tarefas.
Samuel vendo minha angustia, convidou-me para uma palestra. Caminhamos pelos jardins em silêncio, até que em frente à fonte começou a dizer:
- Caro amigo Gregório, acho que já é hora de admitir o que deseja. Por que não expõe o desejo de contribuir com o processo encarnatório de Claus?
Fui pego de surpresa. Já conseguia controlar o acesso aos meus sentimentos e pensamentos. Ele continuou:
- Posso lê-lo no seu olhar. Por que se envergonha de um desejo belo de gratidão e amor?
- Temo não estar preparado?
- Como saber se não tentar? É preciso a experiência, o viver.
- Acha que posso?
Devolveu –me a pergunta, complementando:
- Acha que pode? O que tem para oferecer?
Pensei, com medo de nada encontrar. Então, fechei os olhos, dei um mergulho rápido, porém profundo, dentro de mim mesmo e submergi feliz com o que tinha encontrado.
- Amizade, amor, troca de experiências, meu conhecer, meus questionamentos... E resolvi resumi, o que tenho de melhor.
- Samuel, sorrindo, disse: É disso que Claus precisa. Tocou no meu ombro e virou-se, convidando-me a acompanhá-lo.
Diante de Claus e dos outros companheiros, na reunião da tarde, estimulo-me a revelar meu desejo. Encorajado, revelei-o. Claus abraçou-me, aceitando meu a auxílio.
Era agora o que chamam de anjo da guardada. Explicarei mais tarde meu verdadeiro papel. Até breve.
Gregório
23.07.13