O BLOCO DE LINHO

04/11/2012 21:52

 

Esta semana, no Momento de Luz, Gregório, ao abrir sua “caixinha”, revela-nos um novo eu. Uma nova forma de se perceber, de si fazer, de sentir, de se expressar.  

Ao compartilhar sua experiência, reforça o convite da viagem interior, da busca de si mesmo, da conversa íntima com nosso deus interior. Exprime a deliciosa surpresa de descobrir-se, sem receios ou censura, compreendendo-se, respeitando-se, amando-se.

Nenhuma circunstância exterior substitui a experiência interna. E é só à luz dos acontecimentos internos que entendo a mim mesmo. São eles que constituem a singularidade de minha vida. (CARL GUSTAV JUNG)

As pessoas gastam uma vida inteira buscando pela felicidade; procurando pela paz. Elas perseguem sonhos vãos, vícios, religiões, e até mesmo outras pessoas, na esperança de preencherem o vazio que as atormenta. A ironia é que o único lugar onde elas precisavam procurar era sempre dentro de si mesmas.” (Ramona L. Anderson)

Lindas Viagens!

Lindas Descobertas!

Lindas Construções!

Andréa

 

 

O BLOCO DE LINHO

 

O amanhecer por aqui tem um gosto diferente, especial. A luminosidade do sol nos alcança imponentemente, mas, ao contrário da antiga morada, nos banha com luz suave, que não nos agride fisicamente.

Suave e fresco como a brisa, se apodera do dia e permanece presente até o fim da tarde. Quando a noite cai deslumbrante, com toda a sua plenitude.

O brilho das estrelas ofusca a escuridão serena e refaz as energias de um longo dia de trabalho. A lua surge, impetuosa e gentil, convidando os amantes da natureza a comtemplar a sua magnitude.

Permiti-me, hoje, após a visita do ser amado, descrever em forma poética, a beleza da vida. A existência, muitas vezes conflitante, que nos exige tanto empenho, se desabrocha a contemplação da misericórdia do Pai, que nos presenteia com tantos tesouros.

Lembro-me da minha fase cega, na existência terrestre, impedindo-me, por vontade própria (hoje eu sei) de ver quão bela é a vida. Envolvido nos perrengues do dia-a-dia, exausto com as dificuldades encontradas, não percebia o que do céu se despontava em meu favor.

A mulher amada. As potencialidades inerentes, os amigos, o ambiente acolhedor. O conhecimento que liberta. O desejo que aprisiona. A palavra que, desajeitada, magoa e se cala, sem o proposito a qual deveria servir. Este uso errado e aclamado de atitudes não refletidas, que desmoronam o parecer verdadeiro da existência corporal.

Tudo ali. Descrito, claro, porém, encoberto pela nevoa do esquecimento. Que de presente se torna o resumo de um pesadelo que se repete a muitas jornadas.

Distante da luz divina que se faz presente dentro de nós, armamos o peito para o enfrentamento dos distúrbios aos quais nos submetemos. Aflitos, destituídos da fé, da esperança, da vontade do crescer, por estar absortos aos desatinos, blasfemamos sem piedade. Descompensamos nossa psique. Ficamos feridos, doloridos, até o último suspiro. É quando pedimos clemência.

Não antes de culparmos, por nosso infortúnio, o Pai, o universo, o companheiro, o indiferente. Impossível se faz para nós, abdicar da responsabilidade doada ao outro para salvar os resquícios de sanidade que ainda nos pertence.

Afogados até o pescoço, sem poder respirar, submergimos ao desespero. E, se neste silêncio não formos capazes de acessar e ouvir nosso deus interior, sucumbimos diante da possibilidade do crescimento. Incorporamos o menino ingênuo, deficiente e arbitrário que busca fora de si a solução para os problemas que nos acomete.

Mas, se portados de esperança, entregues, finalmente, a fé, forçosamente, somos empurrados, como por uma avalanche, a sair do bloco maciço, partindo para a liberdade de se refazer como quiser.

Peço licença aos amigos poetas, para uso fazer das rimas e métricas. Com o objetivo maior de fazer sentir toda angústia enterrada no peito. Peito que agora se abre para liberá-la (a angústia), com efeito de se preencher com algo novo, diferente do que já foi e apostando que se manterá assim, em busca de algo ainda maior e mais significativo.

Não se trata de uma tentativa de convencimento de minha parte para com vocês. Trata-se de uma alma a projetar-se para fora em busca de novas realizações. Numa mudança de ciclo, onde o velho, apesar de feio, respeitosamente é dispensado para a entrada no novo, com a expectativa de que seja belo e mais proveitoso.

Desta forma, me peguei divagando sobre a partida do ser amado, a comtemplar tão belo cenário. As palavras movidas pela emoção brotavam sem censura e fui deixando-as vim, uma a uma, emoldurando-as no papel de linho, branco, recém-recebido, com o proposito de se expressar o coração.

Disse-me ela: - Trouxe-lhe um novo companheiro - retirando um embrulho lindo, como toda mulher amada sabe fazer, por de trás das costas, que unidas a um carvalho me inspiravam o conhecer dos segredos íntimos de um coração apaixonado, que deseja se revelar.

Entregando-me nas mãos, advertiu-me que este novo bloco era um presente para o meu coração, para o meu sentir e não pra minha mente, para o meu pensar.

Desejava que eu separasse um do outro, por alguns instantes, para que pudesse dar vazão a minha alma e me permitir sentir, sonhar, sem a responsabilidade de me fazer entender.

No primeiro momento, admirei o pacote. Senti-me orgulhoso por ter direito a receber tão belo presente. Depois, acreditei ser uma bobagem, impossível de acontecer e sem propósito de o ser. Por que separar-me? Não sou melhor junto? Como escritor preciso: pensar, refletir, sentir, expressar, dizer, fazer entender.

Achei injusta a crítica. Assim interpretei: uma critica. Ao meu trabalho, ao meu espaço masculino, invadido pelo sexo oposto, exigindo sensibilidade. Já não o tenho sido?

Sei que ela tudo sabia o que passava dentro de mim, pois diferente da minha posição de aprendiz, já se encontra no patamar de ter acesso à alma humana, compreendendo seu olhar e tendo acesso aos seus pensamentos.  Os meus, sorrateiros, fugiam de mim e iam a encontrar.

Abraçou-me sem nada dizer. Percebi que era a hora da despedida. Não quis perder os últimos momentos numa discussão inútil. Assim ocorria quando casados, na terra. Ela dizia. Eu berrava e fugia por achar um saco tamanha perda de tempo.

Desta vez resolvi ficar em seus braços, aproveitando os poucos minutos que nos restavam. Foi ela que se pronunciou baixinho, em meu ouvido:

- Esta “caixinha” é pra você guardar as falas e tudo mais que perceber do seu deus interior. Acrescente nela cada ruído, suspiro, expressão. E daqui a algum tempo, ao abri-la e lê-la, verá a si mesmo, tal como num espelho.

- É possível que no primeiro momento não se reconheça. Sinta-se totalmente diferente do que pensa ser ou achava ser. Mas com o tempo, identificará seu verdadeiro eu, que se desabrochou, sem que você percebesse.

Beijou-me e partiu, deixando em mim um vazio enorme. Fechei os olhos, invadi-me como de costume e me censurei. Então, voltei a fazê-lo de forma diferente, passeando sem pressa, sem compromisso, sem necessidade de busca.

Sabe quando de férias, em outra cidade ou país? Onde tudo é uma nova descoberta. Quando não nos importamos com o tempo, nem com a lista de pontos turísticos que temos de conhecer.

Aquele dia que você tirou para se dedicar ao acaso, saindo andando, sem destino. Sem ter o que ver. Só dando olhar a tudo, registrando o que lhe chama a atenção. Ao final do dia, cansado e feliz, classifica como o melhor dia de férias.

Aquele foi um desses dias. Ao abrir os olhos, detectei o bloco de linho, em branco, e vislumbrei caminhos, cores, traços, letras, palavras. Rabisquei. Desenhei. Escrevi. Sem preocupação com a forma, com a estética, com o sentido.

Simplesmente dei vazão a mim.

Hoje, anos depois do ocorrido, encontrei o primeiro bloco. Primeiro, porque vieram muitos outros depois dele. Um após o outro, fui libertando meu espírito, expondo meu ser. E deslumbrei-me com quem era.

Não por ter encontrado lá somente o belo, o acerto, o perfeito, mas por ter encontrado lá: o inteiro e o incompleto, o definido e o inacabado, o simples e o complexo, o que já foi e o que será, a vontade de um novo fazer e o desejo de continuar. Tantos cheiros, tantas cores, tantos sabores.

Assim eu sou: o que admirar, o que repreender, o que acolher, o que incentivar, o que dormir, o que acordar, o que deixar, o que tirar, ...

Diante de mim reconheço a obra do Pai. Diante da minha alma aberta reconheço o meu processo de crescimento, minhas potencialidades, minhas adversidades, minhas conquistas, minhas necessidades.

Agradecido ao coração sensível do ser amado, que amorosamente desloucou seu olhar em minha direção, observou minha demanda do autoconhecimento e estimulou-me a buscá-lo de forma respeitosa, deixando a construção partir de mim mesmo, compartilho com vocês tão valorosa experiência, estimulando-os a um novo olhar.  

Gregório

01.11.12

Facebook Twitter More...