O ENCONTRO

18/03/2013 06:15

 

Esta semana, no Momento de Luz, Gregório descreve-nos um lindo encontro. Sugere duas gerações que se permitem dialogar e aprender juntas e, consequentemente, caminhar, ambos crescidos, lado a lado.

Faz-me pensar sobre o nosso primeiro contato com o outro, com o núcleo familiar e sobre as delícias e as dificuldades desta convivência. Sobre a necessidade do ouvir e do falar, do acolher e do se afastar, o mínimo necessário, para ser, para crescer.

Sobre a necessidade do compartilhar, respeitando a experiência de um e a inexperiência do outro, o que permite o acesso ao novo, ao conhecer. E a extensão desta relação, que atinge o aluno e o mestre, que, quando caminham juntos, ampliam as possibilidades do aprender.

Mas como relacionar-se com o outro sem relacionar-se consigo mesmo? Este encontro individual, interno que amplifica o ser. Que o permite dar vazão a si mesmo e transforma-se e crescer.

Desejos lhes lindos e proveitosos encontros!

Boa reflexão!

Andréa

 

 

O ENCONTRO

 

Certa manhã, um pequeno sorriso entrou pela minha janela, acompanhado do mais puro e lindo olhar. Fiquei surpreso ao vê-lo pela primeira vez! Parecia imerso em si mesmo e desejoso de sair de si para encontrar o outro.

Era pequenino e frágil, porém guardava dentro de si uma grandeza que o tornava imensamente forte. Era constituído da pura seiva do amor, mas melancólico e introspectivo, lançava-se ao isolamento doloroso.

Encontrei-o num banco da praça. Diferente dos outros meninos, que corriam pelo jardim numa alegria sem fim, estava mergulhado em si mesmo. Olhava para baixo, para dentro. Absorto em seu mundo.

Achei-o curioso e o busquei.

- Olá! Por que não está a brincar com os outros, aproveitando está linda manhã?

Olhou-me pelo canto do olho. Retornou o olhar na direção inicial e deixou escapar, num volume sonoro baixíssimo:

- Não posso. Estou ocupado.

Mais curioso ficava a cada segundo, diante daquela figura pequenina e senil para a idade que apresentava.

- O que tanto o ocupa?

- Os pensamentos. Respondeu sem pestanejar.

- O que eles querem?

- Materializassem.

Não fazia ideia do que estava acontecendo e nem aonde chegaria, mas insisti no diálogo que parecia não desejar existir.

- Deseja lápis e papel? Desta vez o olhar foi desviado para mim e, comigo ficou.

- Você os têm?

- Sim. Eles auxiliam-me a materializar meus pensamentos.

O corpo todo se voltou para mim. Peguei o bloco novo que desejava inaugurar na caminhada, do início daquela manhã, e, esticando o braço, o ofereci.

A pequena mão recebeu o bloco. E os lábios pareciam esboçar um sorriso que não saiu. Continuou a fitar-me até que entendi a solicitação do lápis que, por descuido, ainda mantinha comigo.

Retornou a posição inicial que o encontrei, porém, agora, voltado para o papel, onde começou a desenhar e escrever. Passava uma folha atrás da outra, não antes de preenchê-la. E assim passou horas, sem ao menos uma palavra dizer.

Fiquei ao seu lado a observá-lo. E ao apurar o meu olhar, percebi que seu envoltório energético se modificava a cada traço. Aproximei–me um pouco mais e pude ver a formação de estruturas monstruosas que dividiam espaço com figuras delicadas e harmoniosas.

Impressionou-me a habilidade de expor seus pensamentos através dos traços infantis. Muitas vezes, círculos se cruzavam provocando caos e harmonia extraordinários.

Desenhou até consumir a última folha. Por fim, olhou-me, abaixou a cabeça como sinal de despedida e, colocando o bloco abaixo do braço, seguiu com as outras crianças que eram, amorosamente, encaminhadas a atividade interna.

Mais adiante, virou-se e perguntou se poderia levar o lápis e devolvê-lo amanhã. Balancei a cabeça em sinal de sim. Satisfeito, acenou e partiu.

Fiquei ali por algum tempo a contemplar o evento curioso que acabara de ocorrer. Refiz cada passo e algo não se encaixava. Comecei a meditar. Recorri as minhas lembranças do passado. Da minha última infância.

Fitei-me a correr pelos campos, criativo, a criar estórias. Realizar diálogos com estruturas inanimadas, a construir fortalezas com gravetos e a transformar pedras em soldados.

A imaginação mantinha-me vivo. Mantinha-me feliz. Mesmo sozinho. Rodeado de adultos, sem crianças da mesma idade. Então, comparei-me ao meu mais novo amigo, se assim podia chamá-lo.

Ele, diferente de mim, possuía companheiros para brincar, conversar. Por que preferia estar sozinho? Por que se iluminou em companhia de um bloco de papel?

O dia se foi e eu, voltado aos meus pensamentos, nem o vi partir. Fui desperto por meu cuidador.

- Não acha que já é hora de descansar?

Aproveitei sua presença inesperada e solicitei socorro. Já não podia dar conta de tantos pensamentos. Então, ele estendeu as mãos e ofereceu-me um bloco e um lápis. Mais nada precisou dizer.

Cheguei a abri-lo, mas não escrevi. Na primeira pagina, desenhei-me pequenino, mãos dadas ao mais novo amigo e me deixei descansar.

Na manhã seguinte, fui desperto pelo iluminado sorriso, que me trouxe luz no dia anterior, mesmo sem ter sido materializado. Os olhos curiosos invadiram meu espaço, assim como ontem, eu havia invadido o dele.

Convidei-o a entrar, e ele aceitou. Caminhou pelo pequeno quarto. Folheou a pilha de blocos, um a um. E questionou.

- Não ilustra seus escritos?

- Não sou bom em desenho.

- Posso fazê-lo se quiser. Um livro com figuras é mais bonito e interessante. É convidativo para quem quer lê-lo. Eu começo lendo as figuras, para só depois, ler as letras. É assim até hoje, mesmo tendo aprendido a ler.

O menino continuou:

-Posso começar agora mesmo se quiser. Você pode ler a história que escreveu, e eu vou desenhando enquanto conta. Se não gostar, posso convencê-lo ao contrário. Também sou bom nisso. Caso não consiga, prometo modificar o desenho que fiz.

Não pude deixar de ri. Rimos juntos. Senti-me diferente! Feliz! Mais feliz do que nos outros dias! Aceitei a proposta. Posicionamos um em frente ao outro. Peguei as primeiras estórias, o primeiro bloco e comecei a ler.

Ele imediatamente pegou um bloco retirado da sacola que trazia. Retirou, ainda, lápis de diversas cores e posicionou-se. Primeiro ouviu, depois deu acesso a sua criatividade e pôs-se a desenhar.

Ao fim da conclusão do primeiro trabalho, apresentou-me o desenho. Estava magnífico. Representava, literalmente, o que eu queria dizer, porém, resolvi provocá-lo.

- Não sei?! Acho que faltou algo.

Ele rapidamente respondeu-me:

- Eu espero você completar a estória. E se for preciso mexo no desenho.

Tive está companhia adorável por pouco tempo. Ele logo cresceu e se tornou maior que eu. Costumava dizer que eu lhe dei fermento. O fermento do conhecimento, que nos torna grandes.

Senti-me também crescer. Também recebi deste fermento. A cada texto, a cada reflexão, crescíamos juntos. Eu e meu pequeno grande amigo. Então, certo dia, resolvi desafiá-lo. Pedi para trocarmos de lugar. Ele contaria a estória e eu a desenharia. Topou.

Chegou ao outro dia, com uma surpresa! Trouxe-me, por escrito, a estória do nosso encontro. Peguei o bloco que meu cuidador entregou naquele lindo dia e o abri. Lá encontrei o desenho que me atrevi a fazer. Continuei a partir dele.

A dupla de amigos caminhou por um caminho iluminado por sol e estrelas e deixaram de ser pequenos. Tornaram-se grandes, lado a lado, do mesmo tamanho. Ele, como fiz da primeira vez, disse-me:

- Não sei?! Acho que faltou algo.

Voltei-me ao desenho para, fazendo charme, lançar lhe a mesma resposta que me deu e surpreendi-me ao olhar. Encontrará um adulto a minha frente.

- Materializei meus pensamentos. Disse, levantando-se para me abraçar.

Comprometo-me a voltar ao assunto e refletir sobre o ocorrido.

Abraço afetuoso!

Gregório.

17.03.12

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