O HOMEM DE FERRO
No Momento de Luz desta semana, Gregório compartilha de um dia de angústia, em que se entregou ao desespero e reagiu agressivamente. Não se permitindo ser acolhido e cuidado.
Abre seu coração e revela-nos seus tropeços e os aprendizados adquiridos com o amigo cuidador que sempre se fez presente na sua caminhada.
Boa reflexão!
Andréa
O HOMEM DE FERRO
Um dia, acordei cansado. Quase moribundo. Desanimado. Acha que não é possível algo assim por aqui? Afirmo que sim.
Foi logo no início. Poucos dias após meu ser identificar que, agora, vivia outro tipo de vida. Diferente de tudo que eu pudesse imaginar que existisse.
Caminhava sem rumo pelas lindas paisagens daqui, na tentativa de contemplá-las, mas nem isso conseguia. Uma angustia apertava meu peito, fazendo-me um mal terrível. Lágrimas me vieram aos olhos e, sem forças, joguei-me ao solo, acreditando que, desta vez, finalmente, morreria.
Lá, deitado, olhos espremidos, não pude ver a luminosidade que me cobria e que, pouco a pouco, foi acalmando meu ser. Fui relaxando pausadamente. Primeiro a mente. Depois, o corpo.
Agora, deitado suavemente na relva, já podia senti o ar puro que me rodeava e a luz intensa que continuava a banhar-me, energizando-me. Calmamente, abri os olhos e contemplei o céu.
Parecia que nunca o havia visto antes. Não porque parecesse diferente, mas por presentear-me com imensa paz. Estranhei as novas sensações. Questionei-me apreensivo. Morri?
Ao meu lado, suave sorriso chamou-me a atenção. Tal como música melodiosa que o desperta de um sono profundo, sem causar-lhe mal estar. E ao virar-me para a mesma, encontrei o espírito amigo que insistia seguir-me como anjo protetor.
- O que faz aqui? Perguntei de imediato.
- Auxiliando-o em sua caminhada.
- Não tem nada mais a fazer.
- Por enquanto seu bem estar é minha prioridade.
- Não entendo o porquê de tamanha dedicação
- É um amigo querido. Queremos vê-lo recuperado em breve.
- Queremos? Quem? Não me lembro de conhecê-lo? Ou a nenhum outro já visto aqui? - Temendo ser rude, não acrescentei todos os xingamentos que me vinham à mente.
-Apesar de não ter pronunciado tudo o quanto queria dizer-me, foi rude. Mas não se preocupe, compreendo a fase que está a passar.
- Realmente odeio seu entendimento. Sua dedicação. E mais ainda, seu horrível vício de ler-me os pensamentos. Acho isso, no mínimo, desrespeitoso. Mas confesso que, desta vez, alegro-me que os tenha conhecido mesmo sem pronunciá-los.
Claus continuou ao meu lado. Olhar compreensivo, palavras educadas, não perdeu a suavidade que lhe é peculiar. O que me deixou mais irritado.
Levantei de sobressalto e dirigi-me a ele bruscamente. Agredi-lo, era meu pensamento. Verbalmente, é claro. Nunca fui homem de usar o físico. Meus argumentos eram meus instrumentos bélicos.
Porém, naquele dia, não passavam de brinquedos infantis que mal conseguiam fazer barulho. Sem consistência devido as dúvida e medos que me sangravam a alma, só levariam o receptor ao riso e ao desprezo.
Minha sorte foi não ter do outro lado alguém a minha altura. Ele era muito maior. Diante do meu desabafo, calou-se. Impôs às mãos em minha direção e compartilhou comigo de suas energias salutares.
Recuei. Tentei dar um tom mais educado as palavras e disse:
- Por favor, explique-me o que ocorre aqui.
Atendendo ao meu pedido, iniciou.
Conhece a história do homem de ferro? E ao fitar minha expressão de que nada sabia a respeito, continuou.
- Há muito se ouve falar de homens constituídos de barro. Moldados ao gosto do que os encomendavam. Nada melhor do que ter ao lado, alguém do jeito que se deseja. Fisicamente adequado aos gostos, emocionalmente entregue.
Porém, eram frágeis. Desmanchavam-se ao vento forte e derretiam com a água. Então, após muito pensar, teve-se a ideia brilhante de utilizar um material mais duro e resistente: o ferro.
O homem de ferro era esperado e foi comtemplado após longa jornada criativa, quando, finalmente ficou pronto. Parecia que, agora, seria perfeito.
Forte, impenetrável, tudo podia fazer e suportar. Mas o tempo trouxe percepções não desejáveis. O lado sensível fora esquecido. Os fatores externos, só se muito corrosivos, causavam arranhaduras, mas nada que o abalasse.
Já não era tão fácil viver ao seu lado. Tinha como lema a força bruta. Assim resolvia as situações que lhe ocorriam. Assim levava a vida. O mal tempo foi o enferrujando. Afastado de todos, não teve quem aplicasse óleo em suas articulações e, um dia, viu-se paralisado.
Entreguei-me a reflexão. O que deseja dizer-me. Mas, naquele dia atípico, não estava disposto a encontrar respostas. Desejava que chegassem prontas, sem esforço. E, respeitando meu cansaço intelectual e físico, meu cuidador poupou-me e acolheu meu pedido silencioso.
- Assim somos nós. Temerosos pelo que não controlamos, nos fazemos mais duros e resistentes.
- Queremos controlar a tudo. Deixar cada pedaço da vida de acordo como desejamos, sem a intromissão de nada ou de ninguém. Como se vivêssemos sozinhos, isolados do tempo ou do convívio com outrem.
E o pior, é que, na maioria das vezes, nem sabemos o que realmente desejamos. Mudamos de objetivos rapidamente, desviando-nos do foco inicial e sem querer iniciar do zero. Queremos retomar de onde estamos e percorrer a mesma trajetória, sem um novo plano, sem intercorrências, sem dificuldades. O que é humanamente impossível!
É preciso construir o caminho para chegar algum lugar. E como construir sem material ou instrumento? Sem saber aonde quer chegar? Sem saber como fazê-lo? Sem identificar e superar as dificuldades? Sem atravessar os obstáculos? Sem compromisso sem trabalho?
Diante das etapas necessárias, frequentemente, cansamos, sofremos, desistimos. Então, escolhemos endurecer, resistir. Tornamo-nos homens de ferro, sem se dar conta de que, mesmo assim, não podemos fugir das vicissitudes da vida e somos alcançados. E, corroídos pelo tempo, por fim, paralisamos pela dor, pelo medo, pelo desespero, pela raiva...
Até que conscientes de nossa condição, clamamos por auxílio e permitimo-nos ser acolhidos, amados, tratados. E assim poderemos retomar a caminhada de onde paramos, embora mais fortalecidos e capacitados.
Meu caro amigo, não se demore. E ao dizer sua última frase, levantou e partiu, deixando-me as sós com meus novos pensamentos.
Abraço afetuoso,
Gregório
19.06.14