O PRESENTE DO ESCUTAR
Esta semana, no Momento de Luz, Gregório apresenta-nos a sua amiga Jussara, que, ao compartilhar conosco sua trajetória e seu aprendizado, auxilia-nos na construção do nosso próprio caminhar. Que possamos fazer o mesmo. Dividir o que aprendemos, caminhando numa mesma direção e crescendo juntos.
Jussara, nós que agradecemos a oportunidade de escutá-la.
Boa reflexão!
Andréa
O PRESENTE DO ESCUTAR
Deixem me apresentar. Chamo-me Jussara. Conheço Gregório há alguns anos. Fui agraciada pelo seu acolhimento e companhia no pior momento da minha vida, quando deixei o desagradável destino de sofrer, para acreditar que poderia conviver com a dádiva da alegria, da confiança e do amor, dando-me esperança para viver o novo.
Um dia, encontrava-me no profundo sofrimento. Sem esperança, entreguei-me ao desespero e saí perambulando. Andei dias e noites por um abismo, onde somente podia se ver a escuridão e ouvir gritos de horror.
Era tal como uma caverna fechada, escura e fria. Um mau cheiro se exalava por todo ambiente, causando-me náuseas. E o barulho ensurdecedor de choro e lamentos, deixava-me tonta e me fazia tropeçar pelo caminho tortuoso e repleto de obstáculos.
Mãos agarravam meus pés e era difícil me livrar delas. Caía, levantava, numa angustia constante. Até que, sem forças para prosseguir, sentindo-me vencida, deixei-me tomar pela escuridão.
Lançada ao chão, lá permaneci. Embrenhada em suor e lágrimas, dor e desespero, larguei-me, desistindo de mim. Não diferenciava mais a noite do dia, nem os sons que escutava ou os cheiros que sentia. Parecia um único bloco, sem separação, causando-me amargura e desesperança.
Tempos depois, não sei precisar quanto, algo novo aconteceu. Uma luz invadiu a escuridão e permitiu o ver. Primeiro senti dor, a luz ofuscava os meus olhos, causando-me sensação de desconforto, que duraram horas, mas que ao poucos foi desaparecendo.
Uma caravana adentrava o abismo no qual me encontrava. Era um grupo pequeno que dissipou a escuridão em que eu estava mergulhada. Chegavam calmamente, trazendo palavras de conforto, água e alimento.
Não se intimidavam com a dor humana e nem com seu instinto agressivo e ingrato. Não se importavam com a degradação que encontravam. Iluminavam-nos com seus sorrisos e gestos amorosos de compaixão. Tratavam feridas do corpo e da alma. Aqueciam o corpo e o coração. Banhavam-nos com sua crença de dias melhores.
Estenderam-nos as mãos e disseram que retornariam em breve. E assim o fizeram. Vinham a cada dois dias, confirmei depois, visto que não possuía ideia de tempo naquele momento. Para mim, eram longos dias.
Cada vez que vinham, algo se transformava em mim. Senti-me cada vez mais lúcida e o bloco único separou-se. Podia sentir e diferenciar o que me incomodava, o que me era desagradável do que era agradável.
Agradável era recebê-los e tê-los por perto, por isso ansiava por eles. Ficava a espera. Já conseguia sentar e posicionava-me para recebê-los. Tentava ajeitar os cabelos e as roupas maltrapilhas. E esboçar meu melhor sorriso.
Trouxeram roupas, pentes e higienizavam-nos com água pura e límpida que refrescavam todo nosso ser. E deixavam luz, possibilitando-nos a enxergar uns aos outros.
No inicio, foi doloroso encararmo-nos, depois, fomos envolvidos pela compaixão de nossos visitantes e passamos a cuidar uns dos outros. Trocávamos os curativos, partilhávamos os alimentos, acolhíamos a dor do outro e tentávamos aliviá-la.
Gregório era um deles. Encantei-me com suas histórias. Fazia-nos rir e, às vezes, até chorar de emoção. No começo, cuidava e lia trechos do evangelho. Por fim, adicionou-nos as suas histórias, tornando-nos personagens de grandes aventuras que sempre resultavam em aprendizado.
Contava-nos sobre um belo lugar, onde a luz reinava todos os dias e era possível conviver em paz, sem dor e sem medo. Um lugar encantado pelo amor divino, que permitia a todos serem irmãos, filhos de um mesmo Pai.
Descrevia sua beleza e harmonia. As fontes de água, os jardins, as salas de estudo, o refeitório coletivo. E prometia que um dia iríamos conhecê-lo e fazer parte de sua comunidade. Passei a desejá-lo mais e mais.
Para tanto, dizia: - Precisamos entrar em sintonia com ele. Vibrar conforme sua energia. Abrirmos para o amor do Pai que deseja reunir seus filhos, perdoando-nos a nós mesmos e acreditando que é possível existir e viver de forma diferente da qual vivemos hoje. Forma mais condizente com as Leis de Amor que Ele estabeleceu e as quais estamos ensinando a vocês.
Passei a prestar mais atenção, pois desejava aprender rápido e partir com eles. Mas não foi uma tarefa fácil. Embora um grupo tenha se modificado e passado a se tratar com respeito e consideração.
Outros se mantinham selvagens. Agrediam, roubavam os alimentos, destruíam os objetos, desperdiçavam água, aumentavam o sofrimento. Muitas vezes foi necessário enfrentá-los e para isso agíamos igual a eles. Agredíamos, escondíamos água e alimentos, privando-os dos recursos importantes à vida e isolávamos, retirando deles a possibilidade de se fazerem diferentes.
Lembro-me de ter discutido com Gregório, quando ele os defendeu. Líder dos resistentes, considerei um desaforo e o expulsei do pequeno espaço que havíamos tomado e tornado somente nosso.
Não o quis receber mais. Liderei meu grupo a exigir o que traziam, ofertando em troca à ingratidão. E ao ser desobedecida, castiguei os que me seguiam.
Fiquei no engano por muito tempo. E o bloco voltou a se estruturar, enquanto eu cega, não conseguia enxergar. Adoeci, distanciando-me do meu objetivo: o belo lugar feliz que o amigo do passado e inimigo no presente me prometera.
Aos poucos fui ficando só. Meus companheiros fugiram da minha perversão. Via-os deixar-me e seguir o caminho o qual havia desejado. Certo dia, deixei de ver a luz e no meio da escuridão percebi que não podia mais enxergar e me locomover.
Um antigo seguidor trazia-me alimento e oferecia-me conforto. Convenceu-me a receber Gregório e ouvir suas histórias. Sem forças, concordei.
Desta vez, contou-me do grupo que havia deixado a caverna e que agora vivia em harmonia. E perguntou se eu ainda desejava estar com eles. As lágrimas vieram aos olhos e com dificuldade movi a cabeça em sinal afirmativo.
Recolheu-me do canto e me reintegrou ao grupo. Éramos poucos agora. Restavam os que eu considerava selvagens e eu. Unidos pelo desconforto daquele lugar inóspito, passamos a conviver uns com os outros, cada dia tentando nos fazer melhor.
Tempos duros que se foram numa bela manhã. Gregório chegou sorridente, anunciando que chegara o esperado dia. Cambaleando, deixei aquele lugar, apoiada nos braços de meus amigos.
Hoje, caminho feliz no belo lugar que um dia somente fazia parte do meu imaginário. Dedico-me a levar luz em outros tantos abismos que ainda insistimos em manter.
Chego, acolho, cuido e compartilho minhas experiências, ofertando o que recebi e o que continuo a receber. Apaguei do meu vocabulário a ingratidão e no seu lugar escrevi a caridade.
Grata pelo espaço e pela escuta.
Jussara
26.08.13