PAPAI DO CÉU PENSA EM TUDO
Esta semana, no Momento de Luz, Gregório presenteia-nos com uma bela história. Apresenta-nos a Arlinda e a sua maneira positiva de ver o mundo. O que a permitiu superar as dores e viver as alegrias.
Ela se deixou envolver pela fé, pela esperança e pelo amor e apostou em uma vida nova. Colocou-se a frente da ignorância, encarou-a amorosamente e construiu o seu viver.
Um viver livre, apesar dos grilhões. Um viver que permite sonhar. Que permite acreditar e fazer. Um viver que lhe pertence e não pode ser aprisionado. Que deixa o coração sentir e aprender a perdoar, acolher e transformar.
Os dias estão passando. Você tem percebido? O que tem feito por si? E pelo outro? Respeite seu tempo e siga.
Boa reflexão!
Andréa
PAPAI DO CÉU PENSA EM TUDO
A conheci quando meu retorno a terra. Era a simplesmente adorável. Rosto meigo, olhar decidido, nem parecia ter a idade que tinha. Apenas 88 anos de idade. Percurso longo, para poucos naquela época.
Certa manhã, na Casa do Cristo, a vi pela primeira vez. Passos curtos, arrastados, fazendo-a demorar horas até chegar ao ponto que desejava. Porém, isso não a impedia de chegar aonde queria.
Tinha uma alegria contagiante. A anciã mais idosa da aldeia era a pessoa mais divertida. A maior amante da vida. Aquela que vive com grande satisfação de viver.
Todos a amavam. Todos queriam aproveitar de sua companhia. Ouvir suas histórias. Ri de suas historias. Compartilhava de suas aventuras pessoais sempre sorrindo, por mais trágico que fosse o conteúdo. E quando percebia que levaria o publico ao choro, soltava uma de suas criancices e logo eles deixavam a dor do coração e trocavam pela alegria da esperança.
Criancice, forma leve e matreira de falar. Um símbolo do olhar de fé e esperança. Uma vontade de querer crescer. Expandir. Ser feliz apesar de tudo. Apesar dos perrengues da vida.
Assim era Alzira. Um exemplo de vida. Uma ex escrava que deixou para trás o que passou e saiu rumo ao futuro, vivenciando, sempre, o presente com coragem, com determinação de chegar aonde queria. Com fé na caminhada e com esperança de um melhor amanhã.
Jamais esquecerei o dia que contou o inicio de sua história. Descreveu-a de forma tão bela que me fez chorar, porém, segundos depois estava a sorrir e depois a gargalhar diante de suas descobertas do mundo que despontava a sua frente.
Era um olhar puro, curioso. Sua inocência era demasiada, tanto quanto sua esperteza. Olhava a vida amorosamente, com bom humor, procurando o melhor de cada situação. E assim, a menina que nasceu escrava, manteve-se viva, não só literalmente, mais, também, poeticamente, levando aos outros escravos a conhecer uma vida diferente.
Nasci pequenina, macia feito floco de algodão. Porém era um algodão diferente. Papai do Céu, vendo o ciúme das nuvens pelos flocos de algodão, experimentou fazer algo diferente. Deu-lhes cor.
Passou dias pensando sobre a cor que daria. Amarelo como sol, não. Não serviria. Como faria seus filhos dormir com tanta luz durante a noite? Seria difícil fazê-los acalmar.
Então pensou na cor azul. Pareceriam gotas de água. E se uns de seus filhos se confundissem e tentassem bebê-los? Poderiam se engasgar. Seria difícil, em tão pouco tempo, orientá-los um a um. E o Pai temia perder qualquer um deles.
Foi descartando uma cor atrás da outa. Todas causariam problemas a sua criação. Então, por um dia, os deixou sem cor. Invisíveis. Sem poder ser vistos, choraram todo o dia.
O sol tentou alegra-los pela manhã. A lua, pela noite. Deixavam refletir toda a sua luminosidade e eles acabaram por sorrir. Sentiram-se grandes, belos, iluminados.
Quando a escuridão chegou os colou no colo. E os abraçou com tanta compaixão, que iluminados transmitiram a cor da amiga que os consolava e acolhia.
Papai do céu que tudo observar achou lindo. E emocionado com o amor entre seus filhos, deixou-os assim ficar, negros como a escuridão. As nuvens que a tudo assistiam, sensibilizaram-se.
Arrependidas pelo egoísmo que apresentaram, rogaram ao Pai que deixassem seus irmãos flocos de algodão da mesma cor e textura que tinham antes. Orgulhosas da grande família que possuíam, lembrariam, ao olhar para baixo, que o amor entre os irmãos devem existir.
Os flocos que gostavam de ser o que eram ficaram felizes e concordaram. Papai do céu também. Porém, os que foram envolvidos amorosamente pela escuridão não queriam esquecer jamais daquela acolhida.
Então, pediram ao Pai para, de quanto em vez, nascerem alguns parecidos com a amiga tão querida. O Pai, feliz com o crescer de seus filhos, forneceu a eles o que queriam.
Porém, os homens não participaram desta construção. Ignorantes do que acontecia ficaram assustados com a descoberta. Encantamento e terror o tomaram.
Sem saber como agir, aprisionaram os flocos negros e os guardaram. Hora vinham vê-los. Hora saiam correndo. Tamanho era o encantamento e o medo pelo que não conheciam. Pelo que era diferente.
Os flocos entristeceram-se. Queriam a liberdade. Tentaram conversar, explicar, mas nada funcionava. Falavam línguas diferentes. Não conseguiam se comunicar. Então, tentaram fugir.
Os homens amedrontados temiam o contrário. Temiam mudar de lugar. E acabaram por fazer uma péssima escolha. Alias... (deu uma pausa) é o que acontece quando decidimos sem conhecer. Sem saber, sem enxergar ou ouvir o outro lado. Achamos simplesmente mais fácil fugir.
Correr, abandonar, deixar para trás. Ou pior. Subjugar, escravizar. Acreditam que usar a força, a lei do mais forte, os salvará. Não sabem, pobrezinhos, que isso, ao contrario, os fará escravos do medo, da intolerância.
Pequeninos se tornam frágeis, dificultando o crescimento. Quem dera, tivessem permitido serem também abraçados pela escuridão. Amorosamente teriam conhecido o que fazer.
Demorou mais aconteceu. Os dias passaram e no meio de tanta dor, foram se reconhecendo como irmãos. Brancos ou negros, homens ou algodão. Passaram a serem iguais.
Quando? Perguntou um pequenino.
Arlinda sorriu. Na verdade, gargalhou. Olhe, não pode ver. Olhe como estamos aqui. Todos juntos. Reunidos. Iguais. Brancos ou negros. Pequenos ou velhos. Homens ou flocos de algodão.
Todos compartilhando do mesmo espaço, ouvindo a mesma historia, aprendendo juntos. Compartilhando. Amorosamente convivendo. Não vê?
Sim, eu vejo. Respondeu o pequenino. Mas ainda curioso, questionou. E lá fora? Além da aldeia, também é assim?
Voltando a sorrir, Arlinda respondeu: Não seja apressado. É preciso ter cuidado. O que acontece se comer muito rápido? Engasga. Responderam os pequenos em coro. E finalizou: Os dias continuam passando.
Antes de deixar o grupo, olhou para o alto. Depois desceu os olhos e olhando-os completou: Papai do céu sempre pensa em tudo.
Deixo-os a refletir.
Até a volta.
Gregório
17.02.13