PEQUENOS ENCONTROS, GRANDES LIÇÕES
Esta semana, no Momento de Luz, Gregório conta-nos uma de suas trajetórias rumo ao crescimento. A partir do encontro com um menino sonhador, aprendeu grandes lições que levou consigo, pela vida material e espiritual.
Colocou-se no lugar de aprendiz e de mestre, aprendendo e ensinando, compartilhando saberes e crescendo. Posicionou-se na vida com fé, acreditando em sua capacidade de sonhar, sentir, aprender, realizar.
Convido-os a uma grande aventura. Onde se faz necessário despir-se das amarras do tudo saber e parti, desnudos, para o conhecer, levantando voo, guiados pela fé, porém, com os pés no hoje, cientes do que se faz necessário: disciplina, estudo, cuidado, paciência, reflexão.
Boa viagem!
Andréa
PEQUENOS ENCONTROS, GRANDES LIÇÕES
Quando era pequeno, acreditava que o Céu continuava na terra. Que mudava de cor, só para a gente saber onde deixar a cabeça e os pés. Quando no mar, os dois se confundiam e, é por isso, que a gente flutuava dentro da água.
Não compreendia o porquê dos pássaros poderem atravessar a linha do horizonte, enquanto, nós, homens, tínhamos que ficar o tempo todo abaixo de sua linha.
Quando surgiram os pássaros mecânicos, que transportavam homens acima de sua linha, fiquei radiante! Queria saber tudo sobre eles e foi assim, que conheci o Juquinha. Menino cheio de vida, que queria voar, que nem os pássaros. Assim, ele dizia a quem passasse. - “Um dia ainda voo que nem os pássaros”
Encontrei-o numa tarde ensolarada. Olhava para o céu em busca de informações. Queria, por que queria encontrar um meio de voar. Pensava alto: Asas de pluma ou papel de embrulho? E se chover? Melhor fazer de tecido. Posso pedir uns metros para minha avó.
Achei engraçado. E parei para observá-lo e ouvi-lo. Nem reparou que eu estava a fitá-lo e continuou divagando. Um maltrapilho que passava, vendo meu interesse pelo menino, ofereceu-me informações em troca de algumas moedas.
Nunca me agradou esmolas por esmolas. Sabia que um homem de igual condição merecia uma oportunidade, instrução. Porém, no decorrer da hora, sem tempo para maiores treleles. Ofereci-lhe o lanche que trazia comigo: pão com manteiga e café.
Aceitou de bom grado e, enquanto comia, foi dizendo: Trata-se de um louco dentro de um pequenino corpo. Vive a olhar para o céu e a falar sozinho. Dizem que quer virar pássaro para voar.
- Onde mora? Perguntei curioso.
- Logo abaixo, com a avó e o irmão mais velho. Dizem que ficou louco, depois que os pais morreram.
Senti pena do garoto. E após aquele dia, sempre dava um jeitinho de passar por lá e encontrá-lo. Andava distraído e nunca me percebia. Eu ficava de longe, bem mais perto do que deveria e tentava compreendê-lo.
Chamava-me a atenção sua teimosia. Certo dia, o vi desenhando, parecia um projeto. Desenhou-se com grandes asas. Neste dia, tomei coragem e me aproximei, abordando-o.
O que está a fazer?
Olhou-me com desdém e continuou o que estava a fazer. Minutos depois, estendeu o papel de embrulho desamassado e pude comtemplar o desenho.
- O que acha? Questionou-me.
Examinei cuidadosamente o desenho, virei o papel por várias direções. Afastei-o e, depois, o aproximei novamente. O menino parecia feliz com o meu interesse. Então, respondi:
- Não sei se é possível.
Ele fitou-me curioso e disse:
- Como não? Nada é impossível quando se realmente quer e acreditar estar apto para isso.
Gelei! Fiquei sem palavras e ele continuou.
- É preciso confiar e jamais desistir. Um dia voarei até o céu e encontrarei meus queridos pais. Se ainda não consegui, é porque ainda não chegou a hora. Obrigado pelo interesse! Recolheu o papel e continuou seu projeto.
Fiquei a observá-lo. Esperei-o voltar para casa e permaneci ali, sentado num banco de praça a pensar. Horas depois, levantei-me e, cambaleando, voltei ao lar.
A esposa esperava-me preocupada com meu atraso. Vendo-me naquele estado, preocupou-se. Sabia que estava a refletir. Conduziu-me ao quarto. Preparou-me um banho, sem uma palavra dizer.
Conhecia-me de longo tempo. Sabia que não sairia daquele estado até processar o que me consumia. E esperou. Na hora do jantar, veio chamar-me.
A mesa, consegui olhá-la e a após a primeira garfada, cai num choro profundo. Ela levantou-se, veio ao meu encontro e confortou-me. Após longos minutos, acalmei-me e expus o que ocorria.
Emocionada, também chorou e quando juntos nos recolhemos, finalmente, conseguir expressar o que sentia.
- Não me lembro de algum dia em minha vida, confiar tanto assim: em mim, em Deus, no outro, na vida. Sinto-me, às vezes, tão pequenino, incapaz de agir, de realizar. E hoje, aquele ingênuo garotinho mostrou-se o mais sábio dos homens. Sinto-me envergonhado, ainda mais pequenino.
Minha amada e companheira afagou-me os cabelos e disse. Por muitas vezes a sabedoria não está na idade, mas no se permitir sentir. No se deixar levar pela vida e aprender com ela, percebendo o que se tem de mais precioso: a capacidade de se fazer, de sonhar e de criar.
Meu querido agradeça este encontro. Absorva esta lição e se faça diferente. Mais menino, mais ingênuo, mais aprendiz. Menos enraizado, conhecedor, palpiteiro da vida alheia. Achamos que tudo sabemos e queremos impor ao outro a nossa descrença, de que se é capaz de desenvolver milagres.
Não mais consegui retornar aquela parte da cidade. De vez em quando, meus pés me dirigiam até bem perto e eu retornava apressado. Porém, um dia, após a procissão, solicitei a um menino da mesma idade que me cedesse suas asas de anjo.
Inicialmente, negou-me, mas prometi-lhe um sorvete, biscoitos, leite, carrinho de madeira e outras coisitas mais. Aceitou, estendendo as mãos e entregando-me seu endereço e as asas. Fiquei de ressarci-lo em domicílio.
Corri até o Juquinha e encontrei-o cabisbaixo. Trazia arranhões pelo corpo. Ao ver-me com as asas, partiu ao meu encontro, sorrindo. Contou-me que havia feito asas de papel e, portando-se das mesmas, jogou-se do alto da murada perto de sua casa. Molhadas com a chuva, as asas se desfizeram, derrubando-o ao chão.
Entreguei as asas, pedindo-lhe que tivesse cuidado. Que a utilizasse na terra e esperasse o dia de subir, lembrando-o de suas palavras. Concordou comigo. Então, ajudei-o a por as asas e ele saiu correndo, abanando-as e sorrindo, renovado de esperança.
Cheguei a casa feliz. Minha mulher olhou-me desgostosa, pois, reprovara minha conduta, com o garoto da paroquia. E exigia que eu fosse me retratar com a família do mesmo.
Animado, a rodei pela sala, em comemoração. Não só havia aprendido como ensinado. Não havia só errado, mas também acertado. Sentia-me vivo, crescendo, andando.
Relembrei-me desta história, dias atrás, ao ver um menino a olhar para o céu. Senti saudade do meu pequeno amigo e desejei encontrá-lo. Saber notícias.
E tarde destas, fui surpreendido com sua visita. Homem garboso, veio ao meu encontro. Trazia consigo um par de asas, em metal. E deu-me de presente, dizendo o quanto significou para ele o meu gesto amigo.
Disse-me que ficou dias a voar, com as asas que lhe dei de presente. E um dia, cansado de correr e não subir, lembrou-se de nossas conversas e resolveu guardá-las, para ir em busca de novos projetos.
Estudou. Formou-se. Virou construtor. E ao subir a céu, definitivamente, e encontrar seus pais, lembrou-se de mim com carinho. Ansiava rever-me. Abraçamo-nos demoradamente e nos despedimos, pois, havia coisas a fazer.
Compartilho deste momento com vocês, pois, até hoje, as palavras daquele menino sonhador e esperançoso me vem à mente, encorajando-me a seguir e a jamais desistir.
Abraço afetuoso,
Gregório
26.05.13