VIVÊNCAS MEDIÚNICAS (27)
“Penso que o inferno seja a dor por não se poder mais amar”. Com esta frase de Fiódor M. Dostoiévski, a vivência mediúnica do nosso Momento de Luz aprofunda reflexão sobre a morte e aquilo que chamamos de inferno.
Em que pese a crença de que Deus pode nos atirar no inferno, o inferno consiste no fato de a pessoa se fechar totalmente para Deus, para a sua Essência, impedindo a ação do amor na sua transformação.
Assim, como todos os textos deste Blog, o de hoje também nos clama pela necessidade do amar.
Um bom dia a todos.
VIVÊNCAS MEDIÚNICAS (27)
Vamos continuar hoje comentando sobre a morte como um “rito de passagem”, afinal o desencarne é mais uma das “mortes” que enfrentamos na nossa jornada evolutiva.
Mas porque mesmo a morte é tão instigante, podendo significar repouso ou transtorno para alguns, castigo ou até mesmo recompensa para outros, e medo para uma grande maioria?
Muito do nosso pensamento ocidental, é derivado de tradições gregas e judaicas, e esses povos, por razões diferentes, sofreram influencias de outras culturas.
Os gregos viajavam para estabelecer relações comerciais e conquistar mais território e os judeus porque ainda degredados. Ambos conviveram, nem sempre pacificamente, com os persas e os egípcios, dentre outros povos, e foram incorporando às suas tradições mitos, histórias e rituais diversos.
Dos gregos mais antigos veio a noção de inferno como morada dos mortos, ou lugar de sofrimento, suplício e condenação no reinado de Hades. Como costumavam humanizar e socializar os deuses, aí havia um dirigente, assim como no Olimpo ou céu dos mesmos havia outro “rei”, Zeus.
Estabelecida uma idéia de dualidade, com espaços diferentes, incorporaram séculos adiante um território de transição entre os supostos céu e inferno, concomitantes à inserção de valores morais, do bem e do mal, na construção de uma ética mais complexa, não tão fatalista, incluindo possibilidades de escolha, portanto tambem mais humanista.
Inicialmente esse local estava somente na terra, onde as pessoas tinham boas e más qualidades, numa espeçie de zona cinza, entre a escuridão do inferno e a luz do céu.
Posteriormente introduziram a idéia dos “campos elísios”, zona de transição mais leve e colorida, com campos floridos e verdejantes, o paraíso dos mortos, semelhante ao “céu” dos cristãos e muçulmanos.
O homem não seria mais confinado à escuridão do inferno, pois que o Olimpo era praticamente inacessível aos mortais.
Entravam nos campos elíseos os heróis, sacerdotes, filósofos, santos e poetas, e daí podiam regressar à terra, reencarnar como humanos ou animais (metempsicose). Hades então subiu no conceito, passou a “rei dos mortos”, governando o Tártaro (local de sofrimento eterno) e os campos elísios, locais separados por um grande muro.
Contavam que para vir a terra, banhavam-se nas águas que corriam num vale, no rio Lete ou “rio do esquecimento”, e alguns ficavam até mil anos esquecendo a vida terrena para regressarem.
Interessante é associaram o lete (esquecimento) à cronos (tempo), e daí dizermos até hoje, “nada como o tempo para esquecer”, ou dar tempo ao tempo...
Os curiosos gregos antigos observavam a vida ao seu redor, buscavam explicações, e por não terem uma ciência formal, explicavam tudo com estórias. Criaram personagens, cenários e figuras mitológicas fantásticas, que influenciavam o mundo e os seres humanos, detiam eles o poder e o saber sobre o destino das pessoas, por isso se preocupavam com os oráculos e em agradar os deuses.
Daí vem essa barganha com o “divino”, para obter favores ou aplacar a ira do desconhecido, os sacrifícios, presentes e dádivas deveriam oferecidos.
À medida que a filosofia grega vai se consolidando, “ciências” surgem, algumas muito refinadas até hoje, tais como a lógica e a matemática, e outras são registradas de modo mais organizado como a medicina e a astronomia. A maioria das estrelas e constelações observadas a olho nu tem nomes gregos pois foram “batizadas” por eles.
Mas, voltando ao tema de desconstruir o mito do inferno, ou pelo menos para atualizá-lo, pois que nós não somos mais os gregos de mais de 3000 anos atrás, nem os romanos que muito deles herdaram, exemplificarei com esta palavra a força de sua influencia, com o desdobramento do significado que evoca.
O inferno vem do latim infernum, que significa "as profundezas", ao qual associamos uma noção de espaço, pois que acima estavam os céus e abaixo as profundezas, e daí tambem uma noção de temperatura, pode ser muito quente, ou muito frio; atualmente damos até andares e sub-solos ao mesmo como na expressão “no quinto dos infernos”, local esse possivelmente próximo ao lugar “onde Judas perdeu as botas”. Não há uma lógica formal que explique essas associações!
Como a palavra se assemelha à “enfermo”, um doente já estaria no caminho para a morte, ou inferno. Eis que muitos temem sobremaneira uma doença, que como a morte em si, é passageira, pois reencarnamos, e o inferno não existe como território, nem se eterniza no tempo.
O nosso amigo enfermo da semana anterior, simplista em suas convicções extremistas e dualistas, ao não sentir-se no descanso eterno do céu, sentia o “inferno” da doença.
Mais recentemente o filósofo Sartre disse que ”o inferno são os outros”, possivelmente os que discordam de nós, e em uma música de Erasmo o refrão “e que tudo mais vá para o inferno”, denota a seleção de poder.
Bem, já que não sou eu que sou o inferno e nem o que me cerca, física e emocionalmente, e o mundo é composto por bilhares de “eus”, o inferno simplesmente não existe. Daí não darmos o poder a ninguém de fazer da nossa vida um inferno ou até mesmo tentar enviar alguém para esse local-estado-zona inexistente.
Ainda paradoxais seres humanos, muitos de nós teremos dificuldade em desapegarmo-nos dessas crenças milenares, encarnados ou não, e construímos umbrais descritos como infernais, porém fracos e transitórios, mas temos a possibilidade-escolha de construir nossos campos elísios mais firmes, belos e fortes.
No mais, lembro da oração de Santa Tereza D’Avila, profunda reflexão da impermanência e do Eterno:
“Nada te preocupe,
Nada te espante
Tudo passa....
Só Deus não muda.
A paciência tudo alcança.
Quem a Deus tem, nada falta.
Só Deus, basta.”
Muita Paz para todos nós.
Francesca Freitas
09-02- 2011