VIVÊNCIAS MEDIÚNICAS (83)
Na Vivência Mediúnica de hoje continuamos com a nossa série de textos Estudos do Amor, buscando sair do rotineiro para aprofundarmos no ser.
Aprofundarmos, a tal ponto de nos questionarmos o que a simples pergunta “que horas são?” afirma sobre nós.
Curiosos.
Está feito o convite para não aceitarmos “como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido”.
Está feito o convite para o mundo maravilhoso da filosofia.
No caso, a filosofia do amor.
Acompanhem-nos, curtam e compartilhem.
Muita paz para todos.
VIVÊNCIAS MEDIÚNICAS (83)
Dando continuidade à investigação dos “Amores”, recorro à Filosofia. Aliás, o próprio conceito de Filosofia é desconhecido por muitos, o que leva a interpretações errôneas ou desvalorizantes deste instrumento crucial para as escolas do conhecimento. Sendo um dos pilares do Espiritismo, pois na Doutrina Tríplice encontramos a Ciência, a Religião e a Filosofia, foi justamente na atitude filosófica de Allan Kardec que o Espiritismo organizou-se como um novo paradigma.
Recorro aqui à Marilena Chauí, que exemplifica a filosofia em nosso dia-a-dia (grifos nossos) e prossegue tecendo considerações sobre a atitude filosófica:
“- Em nossa vida cotidiana, afirmamos, negamos, desejamos, aceitamos ou recusamos coisas, pessoas, situações. Fazemos perguntas como “que horas são?”, ou “que dia é hoje?”.
Fazemos afirmações como “onde há fumaça, há fogo”, ou “não saia na chuva para não se resfriar”.
Vejamos um pouco mais de perto o que dizemos em nosso cotidiano.
Quando pergunto “que horas são?” ou “que dia é hoje?”, minha expectativa é a de que alguém, tendo um relógio ou um calendário, me dê a resposta exata.
Em que acredito quando faço a pergunta e aceito a resposta?
Acredito que o tempo existe, que ele passa, pode ser medido em horas e dias, que o que já passou é diferente de agora e o que virá também há de ser diferente deste momento, que o passado pode ser lembrado ou esquecido, e o futuro, desejado ou temido.
Assim, uma simples pergunta contém, silenciosamente, várias crenças não questionadas por nós.
Quando alguém diz “onde há fumaça, há fogo” ou “não saia na chuva para não se resfriar”, afirma silenciosamente muitas crenças: acredita que existem relações de causa e efeito entre as coisas, que onde houver uma coisa certamente houve uma causa para ela, ou que essa coisa é causa de alguma outra (o fogo causa a fumaça como efeito, a chuva causa o resfriado como efeito).
Acreditamos, assim, que a realidade é feita de causalidades, que as coisas, os fatos, as situações se encadeiam em relações causais que podemos conhecer e, até mesmo, controlar para o uso de nossa vida.
Quando avaliamos que uma casa é mais bonita do que a outra, ou que Maria está mais jovem do que Glorinha, acreditamos que as coisas, as pessoas, as situações, os fatos podem ser comparados e avaliados, julgados pela qualidade (bonito, feio, bom, ruim) ou pela quantidade (mais, menos, maior, menor). Julgamos, assim, que a qualidade e a quantidade existem, que podemos conhecê-las e usá-las em nossa vida.
Acreditamos que quando alguém quer defender muito intensamente um ponto de vista, uma preferência, uma opinião, até brigando por isso, ou quando sente um grande afeto por outra pessoa, esse alguém “perde” a objetividade, ficando “muito subjetivo”. Assim, não só acreditamos que a objetividade e a subjetividade existem, como ainda acreditamos que são diferentes e que a primeira não deforma a realidade, enquanto a segunda, voluntária ou involuntariamente, a deforma.
Se essa pessoa fosse substituindo sucessivamente suas perguntas, suas afirmações por outras: “Onde há fumaça, há fogo”, ou “não saia na chuva para não ficar resfriado”, por: O que é causa? O que é efeito?; “seja objetivo”, ou “eles são muito subjetivos”, por: O que é a objetividade? O que é a subjetividade?;
Se, em vez de falar na subjetividade dos namorados, inquirisse: O que é o amor? O que é o desejo?
O que são os sentimentos?
Alguém que tomasse essa decisão, estaria tomando distância da vida cotidiana e de si mesmo, teria passado a indagar o que são as crenças e os sentimentos que alimentam, silenciosamente, nossa existência.
Ao tomar essa distância, estaria interrogando a si mesmo, desejando conhecer por que cremos no que cremos, por que sentimos o que sentimos e o que são nossas crenças e nossos sentimentos.
Esse alguém estaria começando a adotar o que chamamos de atitude filosófica.
Assim, uma primeira resposta à pergunta “O que é Filosofia?” poderia ser: A decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido.
Perguntaram, certa vez, a um filósofo: “Para que Filosofia?”. E ele respondeu: - Para não darmos nossa aceitação imediata às coisas, sem maiores considerações.”
Portanto amigos, depois da valiosa explanação, aprendemos ou reafirmamos que o instrumento da filosofia é o pensamento, o questionamento e a reflexão sobre a vida, o que sentimos, o que pensamos dos nossos próprios pensamentos e sistemas de crenças.
E como o amor, amores e desamores fazem parte do nosso cotidiano, espíritos imortais que somos, temos toda a eternidade para aprender as nuances do amor, utilizado como substantivo, verbo ou adjetivo.
Muito, pouco, alegre, triste, intenso, certo, errado, primeiro, último, falso, verdadeiro.... não é mesmo instigante esta palavra e o seu poder de ação?
Quanto à classificação tipológica do amor, descrita em textos platônicos, observo que foi modificada por traduções para outras línguas, pela interpretação diversa de outros filósofos sobre os textos originais, e pelo uso em culturas diversas que mudaram ao longo de séculos o significado inicialmente proposto por algumas formas do Amor.
Na versão atribuída ao aprendizado de Sócrates com Diotima (referencia feita na VM 82) o primeiro dos amores descrito é o amor associado à mitologia de Eros.
Na maioria das classificações encontramos o amor Eros, o amor Philia e o amor Ágape. Posteriormente outras expressões vão ser incorporadas, no próprio grego mais moderno e em outras línguas derivadas do latim.
O Eros pode ser interpretado como um amor admiração, que enxerga a beleza, o bem na beleza, além da amizade contida em Philos. Platão era dedidado ao amor pelas grandes idéias, pelo belo, pela perfeição do Topus Uranus, e o amor erótico descrito em alguns dos seus texos, independe de haver ou não um contato físico.
Platão incluia no amor a partilha, dividia o que aprendia, portanto, a principio este tipo de amor não é restrito a apenas uma pessoa, ou uma coisa, ou uma atividade. Eros auxilia a recordar a beleza da alma e a entender a verdade espiritual.
Lí e concordo que os amantes e os filósofos são inspirados a procurar a verdade pelo Eros. Curiosos, querem aprender, descobrir e contemplar, desfrutar do bem-estar proporcionado. Neste ponto de vista, o amor pela ciência pode ser considerado erótico. Vejo-o também como o amor “desejo”, como o apego ao belo e o bem, com uma alegia e disposição implícitas, que quer realizar-se.
Mas com o passar do tempo, houve uma desconexão ou perda de sentido desse amor, sendo seu significado inicial mudado; a conexão com a beleza da alma e da verdade foi dividida em outros amores, um erótico sensual e sexualizado, e um outro “amor platônico”, este sem nenhuma ligação física, apenas espiritual.
E me lembro, agora, de uma frase, título de um livro de Gonçalo Armijos Palácios, por sí só, interessante - “De como fazer filosofia sem ser grego, estar morto ou ser gênio”, a qual acrescento um comentário, de que, tanto os encarnados quanto os espíritos desencarnados, também podem assumir atitudes filosóficas, sem terem sido gregos ou estudado os filósofos alemães.
Daí assumo uma atitude filosófica, e me questiono, qual o significado desse amor para Platão.
O que esse amor erótico significa para os homens e como está implicando em nossa vida, incluindo a minha?
O que uma ligação física tem a haver ou não com esse amor admiração pelo belo da alma, da vida, das artes?
A presença de um exclui ou apenas inclui outras possibilidades?
Estar apaixonado por um tema é estar motivado. Assim, que amor é esse que sentimos, inclusive pelo tema AMOR?
Deixo-os hoje com esses convites à filosofia para nos conhecermos mais, observando o nosso potencial de amorosidade, e avisando que os outros amores virão na próxima semana.
Muita PAZ para todos nós.
Francesca Freitas
20-03-2012
Fonte bibiográfica:
Convite à Filosofia, Marilena Chaui - Editora Ática, 2000